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sexta-feira, 16 de maio de 2025

Santa Cruz: uma Base Aérea com muitas histórias para contar - Parte 1

 

Um lugar que é um dos berços e templos sagrados da Aviação de Caça brasileira, repleto de histórias e que guarda o principal testemunho em nosso país, da presença dos grandes dirigíveis que dominaram os céus do mundo entre as décadas de 20 e 30 do século passado. Estamos falando da Base Aérea de Santa Cruz, localizada na cidade do Rio de Janeiro, uma das mais importantes da FAB e sede do lendário Primeiro Grupo de Aviação de Caça, que lutou nos céus da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Em mais uma matéria exclusiva do site Aviação em Floripa, dividida em duas partes, nossos leitores vão conhecer detalhes históricos da "Cidade da Caça", como também é conhecida, e das Unidades Aéreas que por lá passaram, além de fotos e informações sobre suas construções, monumentos e aeronaves preservadas. Embarque conosco nesta verdadeira viagem pelo local que mantém um rico acervo e elementos importantes da história da nossa Aviação Militar.


A área que hoje abriga a Base Aérea de Santa Cruz, abrange uma parte das terras que no passado, pertenceram à Fazenda de Santa Cruz, um local marcado por relevantes fatos históricos, que remontam a meados do século XVI, quando este espaço foi doado pelo Governador-Geral Mem de Sá a Cristóvão Monteiro, como recompensa por seu engajamento na luta contra as invasões francesas. Com o passar do tempo, a Fazenda foi controlada pelos Jesuítas e depois pela Família Real, que a utilizou como residência de campo e de onde partiu a viagem de Dom Pedro I, que culminaria com a Independência do Brasil frente à Coroa Portuguesa. Após a Proclamação da República, em 1889, a imensa área foi desmembrada, urbanizou-se e desenvolveu-se economicamente, dando origem a diversas cidades na região. A principal prova ou evidência do outrora grande latifúndio é o prédio que serviu como sede da Fazenda, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e atualmente ocupado pelo Batalhão-Escola de Engenharia de Combate do Exército Brasileiro.

(1) Gravura de Cristóvão Monteiro, primeiro proprietário das terras de Santa Cruz. Fonte: https://diegodelpasso.com/2024/10/28/historia-da-fazenda-de-santa-cruz/ (2) Imagem litografada do castelo imperial de Santa Cruz, incluída no livro Viagem pitoresca, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Fonte: acervo da Biblioteca Nacional (3) Extensão territorial da Fazenda Santa Cruz, retratada por Teixeira de Albernaz, no Século XVII, ainda chamada de Curral dos Padres. Fonte: https://descubrasantacruzrj.com.br/fazenda-santa-cruz-antigo-curral-dos-frades/ (4) Fachada da antiga sede da Fazenda de Santa Cruz, hoje ocupada pelo Batalhão-Escola de Engenharia de Combate, "Batalhão Vilagran Cabrita". Foto: Halley Pacheco de Oliveira, via Wikipedia.

Nas primeiras décadas do século XX, tanto os aviões como os dirigíveis se desenvolveram rapidamente e com eles, o transporte de passageiros. A atividade encurtou pelo ar, as viagens de longas distâncias, que antes eram feitas apenas por via marítima, permitindo que se cruzasse continentes com muito mais rapidez. Na Alemanha, o conde Ferdinand von Zeppelin ganhou notoriedade e reconhecimento com a construção de grandes dirigíveis. O primeiro deles foi o LZ 127 "Graf Zeppelin", lançado em 1928, com mais de 230 metros de comprimento e com capacidade para 20 passageiros, além de 36 tripulantes. A viagem inaugural ocorreu no mesmo ano, ligando Frankfurt a Nova Iorque. Outro gigante dos céus foi o LZ 129 "Hindenburg", ainda maior, um verdadeiro orgulho da engenharia aeronáutica alemã, com 245 metros de comprimento, podendo transportar 50 passageiros e 61 tripulantes. Até hoje, esses dirigíveis são os maiores objetos voadores já construídos pelo homem. A estrutura desses aparelhos era rígida, ou seja, moldada por uma armação interna, preenchida com gás hidrogênio, de forma a permitir a sua flutuabilidade e impulsionados por motores a hélice distribuídos em torno do corpo do dirigível. A operação exigia muitos cuidados, em função do hidrgênio ser altamente inflamável.

Em maio de 1930 foi registrada a primeira viagem do "Graf Zeppelin" à América do Sul. O voo de demonstração partiu de Frankfurt, na Alemanha e teve como ponto final, a cidade do Rio de Janeiro, então a Capital Federal do Brasil, com uma escala em Recife/PE. A presença do gigante nos céus brasileiros, chamou grande atenção por onde passou e atraiu multidões, nos pontos de parada. Nos anos seguintes, a rota se consolidou e em 1933, a operadora alemã obteve autorização do governo brasileiro para a construção de uma base fixa, com infraestrutura completa para a operação dos dirigíveis. Após análises dos técnicos da empresa, considerando fatores climáticos e logísticos, foi escolhida uma área plana, próxima do mar, na baía de Sepetiba, no bairro de Santa Cruz, localizado na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O Aeródromo recebeu o nome de Campo Bartolomeu de Gusmão, em homenagem ao padre luso-brasileiro, conhecido como "padre voador", um dos pioneiros no mundo, na experimentação e construção bem sucedida de balões de ar quente, também chamados de aeróstatos.

O "Graf Zeppelin" entrando na baía de Guanabara em seu voo inaugural, em maio de 1930, tendo ao fundo, o Pão de Açúcar. A presença dos grandes dirigíveis nos céus da Capital Federal, adicionou um novo elemento à paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Foto: Jorge Kfuri (acervo arquivístico da Marinha do Brasil) via Wikipedia.

Dentre as estruturas presentes no Campo Bartolomeu de Gusmão, a principal delas, que se destacava pela grandiosidade, era o hangar utilizado para abrigo e manutenção dos dirigíveis, com 274 metros de comprimento e 58 metros igualmente de largura e altura, medida esta, equivalente a um prédio de 20 andares. Somente o portão sul do hangar, permitia a entrada dos dirigíveis. A outra abertura, na extremidade oposta, funcionava apenas para ventilação. Além do hangar, completavam a infraestrutura do local, um campo de pousos e decolagens, uma torre móvel de atracação sobre trilhos, alfândega, prédio administrativo, sala para os operadores de rádio, alojamentos para a tripulação, depósitos, uma fábrica e um grande tanque para armazenamento de hidrogênio, além de um ramal de trens, que ligava o Aeródromo com o centro da cidade, localizado a 54 km de distância. As instalações em Santa Cruz foram oficialmente inauguradas em 26 de dezembro de 1936, com uma grande solenidade que contou com a presença do Presidente da República Getúlio Vargas e do Embaixador alemão à época, Sr. Schmidt Elskop. A partir daquele momento, as operações com os grandes dirigíveis ganhavam um espaço apropriado e seguro, uma vez que até então, ocorriam de forma improvisada no Campo dos Afonsos.

(1) Na construção do hangar, foram empregados cerca de 5.500 operários, um terço deles, alemães. Todas as peças de aço utilizadas vieram da Alemanha, por via marítima e depois, levadas de trem até o local. (2) O LZ 129 "Hindenburg" visto a partir do hangar. Por ser o hidrogênio, um gás altamente inflamável, toda a operação era cercada de muita segurança. As instalações elétricas no interior do hangar eram blindadas por um revestimento especial à prova de fagulhas (3) Na foto, pode-se ver a torre de atracação sobre trilhos, que conduzia o dirigível até o interior do hangar. (4) O ingresso ao hangar ocorria apenas pelo portão sul. O mecanismo de abertura das portas acontecia através do acionamento de motores ou manualmente, por manivelas. (5) Uma linha de trem ligava o Aeroporto Bartolomeu de Gusmão até a área central da cidade do Rio de Janeiro, de onde os passageiros poderiam fazer conexões por meio de aviões para o Sul do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Bolívia, que eram operados pela subsidiária brasileira da Lufthansa, a Syndicato Condor. (6) Vista aérea do Aeroporto Bartolomeu de Gusmão em meados da década de 30 e de suas instalações, com destaque para o hangar. Todas as fotos: FAB/INCAER, com exceção da imagem 3, disponpivel em: https://www.instagram.com/acervosantacruz/ 

O acordo firmado entre o governo brasileiro e a empresa Luftschiffbau-Zeppelin, previa a concessão de exploração exclusiva do serviço aéreo por um período de 30 anos e o estabelecimento de até 30 voos por ano, a médio e longo prazo. Entretanto, as operações com dirigíveis no local tiveram uma vida curta e não chegaram a durar mais que seis meses, por conta de um grave acidente ocorrido na América do Norte. Em 6 de maio de 1937, durante a manobra de atracação, em Lakehurst, Nova Jersey, nos Estados Unidos, o LZ 129 "Hindenburg" incendiou-se e foi completamente destruído pelas chamas. Das 97 pessoas a bordo (36 passageiros e 61 tripulantes), 35 perderam a vida, além de um funcionário em terra. A tragédia, como não poderia ser diferente, causou grande comoção e encerrou em definitivo a carreira dos dirigíveis como meio de transporte, pondo fim à era de ouro desses gigantes do ar. Dois anos depois, eclodiria a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e com ela, uma nova destinação foi dada ao Aeródromo em Santa Cruz e ao seu imponente hangar. Importante dizer que durante a década de 30 até a criação do Ministério da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1941, a Aviação Militar do Exército Brasileiro, também se fazia presente no local, através do Grupo Misto de Aviação Militar e depois com o Primeiro Regimento de Aviação (1º RAv).

A imagem do dirigível envolto em chamas é uma das mais conhecidas e dramáticas fotos do século XX. Fonte: https://www.nationaalarchief.nl/

Com o aumento das tensões e a iminente declaração de guerra às Forças do Eixo, formadas por Alemanha, Itália e Japão, nos primeiros meses de 1942, o governo brasileiro resolveu cassar a concessão alemã e repassar o controle do Campo Bartolomeu de Gusmão e de suas instalações para o recém-criado Ministério da Aeronáutica. O primeiro emprego militar em Santa Cruz sob o controle da Força Aérea Brasileira, ocorreu com um tipo de aeronave que já era familiar com o local, os blimps da Marinha dos Estados Unidos (U.S. Navy), uma espécie de dirigível, porém, de dimensões bem mais modestas, construídos com uma estrutura não rígida, ou seja, sem uma armação interna de sustentação e utilizando-se de gás hélio para seu preenchimento interno. Esses artefatos voadores foram utilizados ao longo do litoral brasileiro em missões de patrulhamento e proteção contra os submarinos alemães e italianos. Dois Esquadrões fizeram-se presentes em céus brasileiros, os ZP-41 e ZP-42, utilizando dirigíveis do modelo K, com 76 metros de comprimento, movidos por dois motores radiais, guarnecidos por 4 tripulantes e capacidade para transportar de uma a quatro pequenas cargas de profundidade, como armamento. Diversas localidades ao longo do litoral norte, nordeste e sudeste brasileiro, receberam os blimps estadunidenses. Santa Cruz, por já contar com uma infraestrutura pronta para apoiar dirigíveis, principalmente o grande hangar, além de base operacional, serviu também como centro de manutenção. O período compreendido entre os anos de 1943 e 1944 marcou o ápice da operação dos blimps no Brasil. Já nos primeiros meses do ano seguinte, com a Segunda Guerra Mundial entrando em sua fase final, os Esquadrões ZP-41 e ZP-42 retornaram para os Estados Unidos. Além da função de patrulhamento, realizaram inúmeras missões de busca por aviões militares acidentados ou desaparecidos.

Um blimp pertencente ao Esquadrão ZP-42 da Marinha dos Estados Unidos, em Santa Cruz. Ao fundo, o famoso e imponente hangar, construído para a operação dos grandes dirigíveis alemães. Fonte da foto: https://segundaguerra.org/

Embora desde 1942 sob jurisdição da Força Aérea Brasileira, apenas em 21 de agosto de 1944, o Campo Bartolomeu de Gusmão foi designado oficialmente como Base Aérea de Santa Cruz, passando a abrigar de forma integral e exclusiva, as atividades e Unidades Aéreas da FAB. Entretanto, antes mesmo de ser elevada à categoria de Base Aérea, como visto, o Aeródromo já operava com aeronaves militares. Com o término da Segunda Guerra Mundial, a Base Aérea de Santa Cruz foi escolhida para ser a sede do Primeiro Grupo de Aviação de Caça, após o seu retorno triunfal da Campanha Aérea nos céus da Itália. Para lá seguiu também, o 2º Grupo de Caça, anteriormente baseado em Natal/RN, passando a executar a função de treinamento, em favor do Estágio para Seleção de Pilotos de Caça (ESPC). No final da década de 40, ambas as Unidades, por um breve período, fizeram parte do 9º Grupo de Aviação, porém, a força da tradição falou mais alto e assim, voltaram à designação original, agora como 1º e 2º Esquadrões do Primeiro Grupo de Aviação de Caça. denominação que permanece até os dias atuais. Importante dizer que o Grupo chegou a contar com um terceiro Esquadrão, ativado para cumprir a tarefa de formação dos futuros pilotos de caça da FAB. Porém, pouco tempos depois, uma nova reorganização nas atividades da FAB, transferiu e concentrou a Instrução Aérea de combate em Natal/RN. Dessa forma, o 3º Esquadrão foi extinto e o Grupo de Caça passou a ser, desde então, uma Unidade Aérea exclusivamente dedicada a sua atividade-fim.

Desde a criação da Base Aérea de Santa Cruz, o imenso hangar utilizado pelos grandes dirigíveis no passado, serviu como local de abrigo e manutenção para as aeronaves de todas as Unidades Aéreas lá sediadas. Na foto, provavelmente feita durante a década de 60, pode-se ver diversos P-16 Tracker do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada (1º GAE) e mais, ao fundo, alguns Gloster Meteor pertencentes ao Primeiro Grupo de Aviação de Caça. Fonte da imagem: https://www.aereo.jor.br/2020/05/06/foto-hangar-do-zeppelin-na-base-aerea-de-santa-cruz/

Embora carregando desde o início de suas atividades, o DNA da Caça, ao longo do tempo, diversas Unidades Aéreas da FAB, relacionadas a diferentes tipos de missões, tiveram a Base Aérea de Santa Cruz como sede (veja infográfico mais abaixo). Esquadrilhas e Esquadrões de Reconhecimento e Ataque, Patrulha Marítima, Guerra Antissubmarino, Ligação e Observação, Transporte, dentre tantas outras, operaram por lá. No início de 2017, a Força Aérea Brasileira passou por uma grande reestruturação e várias de suas Bases Aéreas tiveram a denominação alterada para Alas. Assim, a Base Aérea de Santa Cruz transformou-se na Ala 12. Entretanto, a mudança durou pouco tempo e, em meados de 2020, o local retornou à sua designação histórica. Atualmente a BASC, também conhecida como Campo Nero Moura, abriga três Unidades Aéreas: o Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAvCa), equipado com os jatos supersônicos Northrop F-5EM/FM Tiger II, o Primeiro Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação (1º/7º GAv), que utiliza os quadrimotores Lockheed P-3AM Orion e Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT), IAI RQ-1150 Heron I, em missões de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (IVR), além do Terceiro Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (3º/8º GAv), unidade de Asas Rotativas que opera com os Airbus Helicopters H-36 Caracal nas funções de Transporte, Emprego Geral e Busca e Salvamento. A Base Aérea também abriga outras importantes Organizações Militares, como o Primeiro Esquadrão do Primeiro Grupo de Comunicações e Controle (1º/1º GCC), Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Santa Cruz (DTCEA-SC), Grupo de Segurança e Defesa de Santa Cruz (GSD-SC), Grupamento de Apoio de Santa Cruz (GAP-SC), Prefeitura de Aeronáutica de Santa Cruz (PASC), além da Policlínica de Aeronáutica de Santa Cruz (PC-SC). A Base Aérea de Santa Cruz possui um efetivo em torno de 1.600 militares e é atualmente comandada pelo Tenente-Coronel Aviador Juarez Bessa Leal, no cargo desde 24 de janeiro de 2025.





Encerra-se aqui, a primeira parte do conteúdo referente à Base Aérea de Santa Cruz. Nesta matéria, nossos leitores conheceram um pouco da sua rica história, as operações com os grandes dirigíveis, a mudança de Aeródromo civil em militar e as Unidades Aéreas que operam e operaram por lá, ao longo do tempo. Em breve, o site Aviação em Floripa estará publicando a segunda e última parte, resultante da recente visita que fizemos ao local, apresentando as aeronaves preservadas, os monumentos e as construções históricas. Agradecimentos ao Coronel Aviador Refm e Historiador Aeronáutico, Aparecido Camazano Alamino, que gentilmente nos forneceu os Emblemas e informações a respeito das Unidades Aéreas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Creio que existe um engano em relação aos Blimps. Eles não eram enchidos com ar quente. Acho que era com hélio.

Aviação em Floripa disse...

Tem razão, era hélio e não ar quente. Obrigado pela observação.

Anônimo disse...

Muito boa, materia !! Showw

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