Um importante marco no programa de construção das novas Fragatas da Marinha do Brasil foi alcançado na manhã desta sexta-feira (24/3), na cidade de Itajaí, litoral norte do Estado de Santa Catarina, com a cerimônia de Batimento de Quilha do primeiro dos quatro navios destinados a reequipar a Força de Superfície da Esquadra brasileira. A solenidade contou com a presença do Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen, integrantes do Alto-Comando da Marinha, autoridades militares e civis, representantes da EMGEPRON (empresa vinculada à Marinha do Brasil e encarregada pelo gerenciamento do projeto das embarcações), Consórcio Águas Azuis (responsável pela efetiva construção dos navios), do corpo técnico e de funcionários do Estaleiro Thyssenkrupp Brasil Sul e demais convidados. além de veículos de imprensa especializada nas áreas Naval e de Defesa, entre eles, o site Aviação em Floripa. Conheça a partir de agora, alguns detalhes do histórico e do projeto desses navios e da Solenidade de Batimento de Quilha.
O início
Batizada de Classe "Tamandaré" (em homenagem ao Patrono da Marinha, Almirante Joaquim Marques Lisboa, também conhecido como Marquês de Tamandaré), o programa é o mais moderno, ambicioso e inovador projeto naval já desenvolvido em nosso país, composto pela construção de um total de quatro Fragatas, as quais passarão a compor a espinha dorsal da Esquadra brasileira no que tange às embarcações de combate classificadas no jargão naval, como Navios-Escolta. Nesta categoria, a Marinha do Brasil conta atualmente com oito belonaves (vide quadro abaixo), muitas delas, com mais de quatro décadas de operação, embora ainda capazes de cumprir com eficiência as suas atribuições, porém, se aproximando rapidamente do fim do serviço ativo.
(*) A data se refere à incorporação ao serviço ativo pela Royal Navy (RN).
Tendo no horizonte a necessidade de renovar seus meios navais de escolta, a Marinha do Brasil, iniciou em meados da década passada, estudos visando o estabelecimento de características técnicas e operacionais para a construção em solo brasileiro de uma nova classe de Fragatas, com o objetivo principal de substituir suas congêneres da Classe "Niterói" (em operação desde 1975) e a única remanescente das quatro "Type 22" (aqui, denominadas de Classe "Greenhalgh"), compradas de segunda mão do Reino Unido na década de 1990. Embora seja um processo de aquisição mais demorado e complexo do que uma simples compra de oportunidade no exterior, ele traz um enorme conjunto de benefícios e vantagens agregados a esta escolha de caminho, entre os quais podemos citar, o fomento e incentivo à indústria e aos setores Naval e de Defesa brasileiros, com a construção dos navios incorporando 30% (na primeira embarcação) e 40% (a partir da segunda unidade) de componentes e materiais de origem nacional; geração de 2 mil empregos diretos e 6 mil indiretos, no auge da produção; capacitação e aprimoramento de mão de obra da construção naval; transferência de conhecimento e o domínio de tecnologias sensíveis, garantindo um elevado grau de independência quanto ao desenvolvimento de futuros projetos navais em nosso país.
Em Dezembro de 2017 foi lançada ao mercado uma Solicitação de Propostas (ou RFP, do inglês Request For Proposal), com quatro grupos sendo selecionados no ano seguinte como finalistas, a saber: “Águas Azuis”, “Damen Saab Tamandaré”, “FLV” e “Villegagnon”. Após dois anos de uma minuciosa análise técnica, em 27 de Março de 2019, a proposta do Consórcio "Águas Azuis", formado pela empresa alemã Thyssenkrupp Marine Systems (TkMS) e as brasileiras Embraer Defesa & Segurança e Atech, foi escolhida como a que melhor se adequava às necessidades da Marinha, com o contrato sendo assinado em 5 de Março de 2020. Com o objetivo de construir as novas fragatas brasileiras, bem como atender a possíveis encomendas de outras marinhas da região, em janeiro de 2021, a TkMS adquiriu o estaleiro Oceana de Itajaí/SC (rebatizando-o como Brasil Sul), tornando-se o primeiro estaleiro da empresa na América Latina. A escolha da cidade catarinense se deu por sua notável vocação para a construção naval, disponibilidade de mão de obra treinada e localização privilegiada em relação à cadeia de fornecedores e clientes. Em 21 de Junho do ano passado, com a presença de representantes da Marinha do Brasil e demais envolvidos no projeto, ocorreu a apresentação do mockup (maquete) em tamanho real de uma seção da embarcação. Finalmente, em 5 de Setembro, iniciou-se efetivamente a fase de produção, com o corte inaugural de chapa para a confecção do primeiro dos 55 blocos que comporão a estrutura da Fragata.
O Navio
A proposta apresentada pelo Consórcio "Águas Azuis" foi baseada no projeto original da corveta MEKO A-100, integrante de uma família de navios de combate que conta com 82 unidades em serviço com 15 marinhas mundo afora. Para atender as necessidades brasileiras, a embarcação teve seu deslocamento alterado de 2.000 para cerca de 3.500 toneladas, aumento do comprimento total e a adição de vários sistemas de detecção, controle de tiro e armamentos de última geração. No campo das compensações comerciais (offsets), a TkMS também apresentou à Marinha do Brasil, um plano para a remotorização dos submarinos da classe Tupi construídos pela mesma empresa. A Embraer Defesa e Segurança é responsável por integrar alguns sensores e armamentos ao sistema de combate. Já a Atech, empresa do Grupo Embraer, especializada em engenharia e integração de sistemas, é responsável pelo desenvolvimento do Sistema de Gerenciamento de Combate (CMS), do Enlace de Dados Tático e pelas atividades de Integração e Testes do sistema de combate, em parceria com a Atlas Elektronik, subsidiária da Thyssenkrupp Marine Systems, e também do Sistema Integrado de Gerenciamento da Plataforma (IPMS), em parceria com a L3Harris. A Atech participa, em conjunto com a Marinha do Brasil, do processo de transferência de tecnologia destes sistemas, atividade de grande importância que permitirá dispor dos conhecimentos e ferramentas para operar e manter os sistemas do navio durante sua vida operacional. Outro aspecto que levou à escolha da proposta do consórcio vencedor, foram as semelhanças com a classe de fragatas MEKO A-200 e seu sistema de construção modular, permitindo a incorporação de elementos deste modelo em futuras atualizações dos navios brasileiros.
Localização dos diversos sensores e armamentos (clique sobre a imagem para uma visão ampliada). Fonte: https://www.defesaaereanaval.com.br/naval/batimento-de-quilha-da-fragata-tamandare-sera-em-marco-de-2023Entre as características dos navios, estão um deslocamento de 3.380 toneladas, comprimento de 107 metros, largura máxima de 16 metros, autonomia de 5.000 Milhas Náuticas (9.260 km) em velocidade de cruzeiro, velocidade máxima de 25,5 nós (47,2 km/h) e uma tripulação total de cerca de 130 militares. Quando estiverem em serviço, estas fragatas serão capazes de combater com a mesma eficiência, diversos tipos de ameaças (superfície, aéreas ou submarinas). Além disso, atuarão diretamente na garantia da soberania do território nacional e na proteção das riquezas naturais de nossa Amazônia Azul, seja na prevenção e combate ao contrabando, tráfico de drogas, pesca predatória, pirataria, tráfico de armas e fiscalização contra a poluição do meio ambiente marinho. De acordo com o cronograma, a primeira unidade, batizada de F-200 "Tamandaré" e que dá nome à Classe, deverá ser entregue em fins de 2025. As fases de produção envolvem o batimento de quilha, construção, lançamento, testes de aceitação de porto e de mar, última fase antes da entrega para a Marinha. Esse conjunto de etapas leva em torno de 42 meses para ser concluída. O programa contempla ainda a entrega subsequente de mais três fragatas até Dezembro de 2029. Importante destacar que no auge da produção, o estaleiro terá a capacidade de trabalhar de forma simultânea em mais de uma embarcação, gerando celeridade no processo e garantindo um tempo mais curto para a entrada em serviço das quatro unidades.
A Cerimônia
O universo naval é repleto de tradições. Quando se trata da construção de navios, uma das mais emblemáticas e importantes é o batimento de quilha, a primeira das muitas etapas que compõem a vida operativa de uma embarcação. Reza a lenda que desde a antiguidade, quando os barcos eram ainda feitos de madeira, havia o costume de colocar uma moeda recém-cunhada sob a quilha e construir o navio sobre ela. Acreditava-se que isso trazia sorte durante a fabricação e posteriormente, ao capitão e à tripulação na operação da embarcação. Este ritual remonta à Grécia ou Roma Antiga e destinava-se a "pagar o barqueiro" para transportar as almas dos mortos ao outro lado do rio Estige, caso o navio afundasse. A quilha era considerada pelos marinheiros de outrora, como o "coração" do navio e, naquele tempo, a cerimônia de batimento era vista como um ato mágico, inspirando longevidade e bons presságios ao futuro navio. Para espantar os maus espíritos, o primeiro prego era fixado à quilha com o uso de uma ferradura. Mais tarde, o prego passou a ser confeccionado em ouro e decorado com uma fita de tecido vermelho, simbolizando saúde e vida. Com o avanço da tecnologia, a construção naval se modernizou, o prego foi substituído pela solda, entretanto, todo este simbolismo atravessou gerações e manteve-se presente até os dias atuais, não importando o tamanho ou a finalidade da embarcação.
A quilha é um dos componentes mais importantes de um navio, considerada sua base ou espinha dorsal. Trata-se de uma peça longitudinal que percorre toda a parte inferior da embarcação, sobre a qual todas as seções transversais e demais estruturas são assentadas e fixadas. O evento realizado no estaleiro Thyssenkrupp Brasil Sul, na manhã desta sexta-feira, representou o efetivo início da fase de montagem, com a primeira peça estrutural (de um total de 55 blocos que irão integrar o casco e a superestrutura da fragata), sendo posicionada no local de construção. Esse moderno modelo construtivo, que prevê a produção em blocos para serem edificados posteriormente, oferece diversas vantagens sobre o modelo antigo. Desse modo, é possível instalar acessórios e fundações de forma antecipada, além de facilitar a colocação de equipamentos a bordo e possibilitar trabalhos em diversos estágios de maneira segregada em cada unidade. O processo também aumenta a segurança da equipe técnica, por manter espaços abertos por mais tempo durante a construção.
A evolução da engenharia e os modernos processos de produção adotados no Programa Fragatas Classe Tamandaré (PFCT) permitem que os navios sejam edificados em blocos, algo inédito na história da construção naval militar no Brasil. Por esse motivo, no caso da Fragata Tamandaré, o batimento de quilha foi caracterizado pelo posicionamento, no seu local de edificação, de um importante bloco estrutural, que pesa aproximadamente 52 toneladas e corresponde a uma das praças de máquinas do navio, onde serão instalados dois motores, engrenagem redutora e diversos equipamentos auxiliares. Foi este acontecimento que tivemos o privilégio em acompanhar e que compartilhamos através de imagens, a partir de agora, com nossos leitores.
A Solenidade contou com a presença da Alta Cúpula da Marinha e os CEOs (Diretores Executivos) de todas as empresas ligadas ao projeto.
Chefe da Diretoria-Geral do Material da Marinha, Almirante de Esquadra Arthur Fernando BETTEGA Corrêa.