Recentemente, durante o Exercício Técnico de Busca e Salvamento (EXTEC SAR) do 1º Esquadrão do 1º Grupo de Transporte (1º/1º GT) em Florianópolis, o site Aviação em Floripa teve a oportunidade em conhecer de perto o maior avião militar projetado e produzido no Brasil, o Embraer KC-390 Millennium. Para registrar este momento, preparamos esta matéria, na qual vamos trazer aos nossos leitores, um pouco da história do desenvolvimento do avião, suas funcionalidades e muitas outras informações, além de uma grande quantidade de imagens exclusivas, mostrando em detalhes, as características internas e externas desta fantástica aeronave, um orgulho da Indústria Aeronáutica nacional e da Força Aérea Brasileira. Seja você também, bem-vindo(a) a bordo do KC-390 Millennium!
Nasce o gigante brasileiro
Em meados da primeira década deste milênio, a Embraer iniciou estudos para o desenvolvimento de uma aeronave de transporte tático de porte médio com propulsão a jato. O mercado militar para aviões deste tipo, dominado pelas várias versões do Lockheed C-130 Hércules (com muitos exemplares próximos de encerrar sua vida operacional), apresentava a médio prazo, uma perspectiva bastante promissora para que o cargueiro brasileiro se tornasse uma opção atraente para as diversas Forças Aéreas mundo afora. Assim, em abril de 2007, o projeto da aeronave foi oficialmente anunciado pela Embraer, durante a Feira de produtos de Defesa LAAD (Latin America Aero & Defense, atual LAAD Defense & Security), no Rio de Janeiro/RJ, com o avião recebendo a designação KC-390 Millennium. Nesta mesma época, já vislumbrando a retirada de operação de sua frota de C-130 Hércules, a Força Aérea Brasileira (FAB) havia lançado o Programa KC-X e não tardou para que fosse estabelecida uma parceria entre a fabricante de aviões brasileira e a FAB, que passou a colaborar diretamente na adequação do projeto, de acordo com os requisitos técnicos do Programa KC-X, ficando acertada uma encomenda de 28 exemplares pela FAB.
Em primeiro plano, O C-130M Hércules, que durante muitos anos, foi a espinha dorsal da Aviação de Transporte da FAB. Agora o bastão está sendo passado para o KC-390 Millennium, ao fundo.
O refinamento do projeto fez surgir uma aeronave versátil, capaz de realizar uma ampla gama de missões, como Transporte de Tropas, Lançamento de cargas e Paraquedistas, Transporte Logístico, Reabastecimento em Voo, Evacuação Médica, Busca e Salvamento e Combate a Incêndios Florestais. Complementando os investimentos da Embraer e da FAB, o desenvolvimento do KC-390 contou com o apoio do Governo Federal através de recursos oriundos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Além do Brasil, Indústrias Aeronáuticas de outros três países juntaram-se ao programa, sendo responsáveis pela fabricação de componentes e peças estruturais, a saber: a argentina FAdeA, construção dos spoilers (superfícies móveis de controle de sustentação na asa), as portas do trem de pouso do nariz, a porta da rampa, as carenagens dos flaps, o cone de cauda e o armário eletrônico; as portuguesas OGMA e EEA, responsáveis por fornecer os painéis da fuselagem central, as carenagens dos trens de pouso (sponsons), as portas dos trens de pouso principais e os profundores e; por fim, a Aero Vodochody (República Tcheca), que produz parte da fuselagem traseira, as portas para paraquedistas e tripulação, a porta de emergência e escotilhas, a rampa de carga e o bordo de ataque fixo.
Divisão de construção do KC-390 Millennium. Fonte: COPAC/FAB
Algumas das empresas fornecedoras de equipamentos e parceiras do projeto KC-390. Fonte: Embraer
Após cinco anos de desenvolvimento, os trabalhos para integração de todos os sistemas da aeronave e simulações de voo foram concluídos. O contrato entre a Embraer e a Força Aérea Brasileira foi assinado em 21 de maio de 2014 e previa uma quantidade original de 28 exemplares para a FAB. Dois protótipos foram construídos para o programa de desenvolvimento, montados na Unidade da Embraer Defesa e Segurança em Gavião Peixoto, no interior do Estado de São Paulo. O primeiro protótipo, recebeu a matrícula PT-ZNF, foi apresentado oficialmente em 21 de outubro de 2014 e voou pela primeira vez em 3 de fevereiro de 2015. A montagem do segundo protótipo (PT-ZNJ) foi finalizada em março de 2016 e o avião fez seu voo inaugural no dia 26 de abril do mesmo ano. Em 5 de maio de 2018, durante a campanha de ensaios e certificações, um dos protótipos (PT-ZNF) se acidentou em uma saída de pista enquanto realizava testes de solo, sem vítimas, entretanto, a aeronave sofreu severos danos estruturais. Em substituição ao PT-ZNF, o programa de ensaios ganhou o reforço do PT-ZNG (terceiro KC-390 a sair da linha de montagem). Finalmente, cerca de dez anos após o início do programa, em Solenidade na Base Aérea de Anápolis/GO, a Força Aérea Brasileira recebeu oficialmente, no dia 13 de dezembro de 2019, a primeira unidade do KC-390, com a Matrícula FAB 2853, destinada ao 1° Grupo de Transporte de Tropa, o Esquadrão Zeus.
Cerimônia de apresentação (Roll-out) do primeiro exemplar construído e um dos protótipos de testes, com a matrícula PT-ZNF, em Gavião Peixoto/SP. Foto: Folhapress
Provando seu valor
Desde que entrou em serviço com a Força Aérea Brasileira, o KC-390 Millennium vem demonstrando suas capacidades e comprovando a excelência do projeto e não demorou para que esses predicados fossem colocados à prova. Em janeiro de 2021, durante o auge da crise de Covid em Manaus, a aeronave foi uma das responsáveis pelo transporte de cilindros e usinas de oxigênio, uma complexa e arriscada operação, por se tratar de carga pressurizada. Ano passado, logo após o começo da guerra entre Rússia e Ucrânia, um KC-390 partiu rumo à Varsóvia na Polônia, com a finalidade de resgatar e repatriar um grupo de brasileiros, além de refugiados de outras nacionalidades. Recentemente, a aeronave foi certificada para o transporte do helicóptero H-60 Black Hawk operado pela FAB e do veículo lançador de foguetes do Sistema ASTROS, do Exército Brasileiro (EB), pesando cerca de 22 toneladas. Digno de nota também, foi a participação de uma aeronave KC-390 no Exercício "Culminating", um treinamento em conjunto com o Exército Americano, Exército Brasileiro (EB) e Força Aérea Americana, com o objetivo de preparar militares e tripulantes para missões de emprego em operações aeroterrestres. Realizado nos Estados Unidos, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2021, o exercício marcou a estreia do avião brasileiro em treinamentos operacionais internacionais e serviu para atestar as qualidades da aeronave, impressionando a todos por suas características de voo e capacidades de emprego.
Transporte de usina de oxigênio para Manaus/AM. Foto: FAB
Teste para o transporte de viatura AV-LMU Astros. Foto: FAB
No momento, seis KC-390 Millennium encontram-se em uso com a FAB em duas Unidades Aéreas, quatro com o 1° GTT (Anápolis/GO) e dois com o 1°/1° GT (Galeão/RJ). Da encomenda inicial de 28 aviões, ao longo do tempo, o número de exemplares sofreu alterações, passando para 22, depois 14 e finalmente ficando estabelecida a quantidade de 19 unidades. De acordo com o cronograma atual (veja infográfico abaixo), a taxa de entregas das 13 aeronaves restantes, segue em um ritmo de um ou dois aviões por ano, estendendo-se até 2034. O mais recente entregue à Força Aérea Brasileira, com a Matrícula FAB 2858 (em junho deste ano), foi o primeiro KC-390 com a certificação chamada de FOC (Full Operational Capability, ou Capacidade Operacional Completa), atestando o cumprimento do conjunto de requisitos técnicos e a plena condição de realizar todas as missões para as quais o avião foi projetado. A partir de agora, os demais exemplares já em operação serão atualizados para este mesmo patamar.
O infográfico acima mostra algumas maneiras como o compartimento de cargas do KC-390 pode ser configurado. Com comprimento máximo de 18,5 metros (com a rampa fechada) e altura máxima de 3,2 metros, somada à capacidade nominal para 26 toneladas, a aeronave pode transportar uma grande variedade de tipos de veículos militares e blindados. Todo o piso é composto por um sistema intercambiável de roletes e ganchos para a movimentação e fixação das cargas, respectivamente. O Mestre de Cargas (Loadmaster) conta com uma estação de trabalho própria, permitindo a partir dela, o gerenciamento das atividades de embarque, desembarque e lançamento das cargas, assim como sua correta distribuição ao longo do compartimento. Para as tarefas de transporte de passageiros, tropas, paraquedistas ou evacuação aeromédica, o interior do avião pode ser rapidamente configurado de diferentes maneiras, recebendo assentos extras ou macas. Para a missão de Reabastecimento em Voo (REVO), o KC-390 dispõe de dois pods ou casulos Cobham 912E WARP (Wing Air Refueling Pod, ou Casulo de Asa para Reabastecimento Aéreo). Dispostos nas extremidades das asas, o sistema é composto por uma mangueira retrátil com uma cesta estabilizadora na ponta, capaz de transferir combustível da própria aeronave ou de tanques extras levados no compartimento de cargas. Um grande diferencial do KC-390 é que, além de fornecer combustível, ele também pode ser reabastecido em voo, dotando a FAB de uma capacidade inédita em suas aeronaves de transporte. Para isso, o avião conta com uma lança na parte superior da fuselagem dianteira, contendo na ponta, a sonda de reabastecimento. Isso permite por exemplo, que o KC-390 decole com sua carga máxima e posteriormente seja reabastecido em voo, ampliando substancialmente seu alcance, equiparando seu desempenho ao de aeronaves maiores, de transporte estratégico.
Caças F-5EM Tiger II da FAB sendo reabastecidos por um KC-390. Foto: FAB
Clique sobre o banner acima para assistir ao vídeo. Fonte: Embraer
A última funcionalidade testada e certificada no KC-390 é o Combate a Incêndio Florestal. Para tal, a aeronave emprega o sistema MAFFS II (Modular Airborne Fire Fighting System, ou Sistema Modular Aerotransportado de Combate ao Fogo). O equipamento conta com um tubo que projeta água pela porta traseira esquerda do avião, podendo descarregar em poucos segundos, até 3.000 galões de água (aproximadamente 11.300 litros), com ou sem a utilização de produtos químicos que retardam a ação do fogo. Uma vantagem deste sistema é a possibilidade de manter a aeronave pressurizada, ou seja, sem comprometer a performance do KC-390, sendo mais eficiente que o MAFFS de primeira geração, empregado pelo C-130M Hércules. O equipamento pode ser rapidamente instalado ou removido do compartimento de carga da aeronave a partir de seu próprio trailer.
Sistema MAFFS II em ação, durante a Campanha de Certificação. Foto: FAB
Clique sobre o banner acima para assistir ao vídeo. Fonte: Embraer
O KC-390 Millennium em detalhes
O Exercício EXTEC SAR que aconteceu em Florianópolis de 8 a 17 de agosto proporcionou uma excelente oportunidade para conhecer de perto o KC-390 Millennium. A aeronave fotografada foi o FAB 2857, pertencente ao 1º Esquadrão do 1º Grupo de Transporte com sede na Base Aérea do Galeão/RJ. Na ocasião, o compartimento de carga estava configurado para a realização da missão de Busca e Salvamento (SAR), contando a bordo com o kit SAR e com os assentos rebatíveis nas laterais. Acompanhe a partir de agora, o conjunto de imagens que o site Aviação em Floripa selecionou para ilustrar esta matéria.
Vista geral do FAB 2857 no pátio da Base Aérea de Florianópolis.
Rampa traseira aberta. O KC-390 dispõe de dois estabilizadores hidráulicos retráteis, chamados de struts, posicionados na parte inferior da fuselagem, logo atrás do trem de pouso principal. Esse dispositivo permite que o avião mantenha-se estabilizado no solo, durante o embarque de cargas mais pesadas pela rampa.
Painel de controle da rampa traseira.
Vista interna das duas portas laterais traseiras. Elas abrem para cima e são utilizadas principalmente para o lançamento enganchado de paraquedistas. Em missões de Busca e Salvamento, são substituídas por outro modelo de porta, dotada de uma janela maior e com uma bolha de observação.
O piso do KC-390 é totalmente intercambiável, podendo ser facilmente alternado para o uso de roletes (para o deslizamento e posicionamento das cargas) ou em configuração plana. Ao longo de todo o assoalho, existem ganchos para a fixação das cargas.
Assentos rebatíveis dispostos nas laterais da aeronave em toda a extensão do compartimento de cargas.
O fundo do compartimento de cargas possui duas janelas, nas quais podem ser fixados assentos, servindo como postos de observação secundários em missões de Busca e Salvamento. À direita na foto, ao lado da escada de acesso à escotilha de emergência, pode se ver a porta de acesso ao banheiro da aeronave.
Estação de trabalho do Mestre de Cargas (Loadmaster), dominada por duas telas e comandos que monitoram e controlam a operação das cargas a bordo.
O KC-390 possui uma galley, com pia, geladeira e forno, localizada imediatamente à frente da escada que leva à cabine de comando.
Acessada por uma escada, a cabine de comando encontra-se no deck superior e apresenta uma configuração de aviônicos (instrumentos de voo) totalmente digital, composto por cinco telas de LCD de 15 polegadas e sensíveis ao toque, chamada de Pro Line Fusion Suite, desenvolvida pela Rockwell Collins. As funções ou trocas de páginas são comandadas por dois dispositivos semelhantes e com a mesma função do "mouse", localizados no console central.
Console central e detalhe da manete de potência.
O KC-390 é comandado por sistema de sidestick.
Painel superior (overhead)
Uma característica do KC-390 é a presença de dois HUDs (Head-Up Displays, ou Visor ao Nível dos Olhos) rebatíveis, desenvolvidos pela AEL Sistemas e que projetam à frente dos Pilotos, uma série de informações essenciais ao voo ou dos parâmetros de missão, sem que os mesmos precisem desviar a atenção para o painel de instrumentos.
Além dos assentos dos pilotos, a cabine de comando apresenta ainda um terceiro assento, disposto atrás da posição do Co-Piloto (2P, assento da direita), onde fica a estação do Engenheiro de Voo. É deste local que as missões de Reabastecimento em Voo são realizadas. Da mesma forma, a operação do pod de navegação Litening III é controlada a partir deste posto. Logo atrás, encontram-se duas pequenas camas para o descanso da tripulação em voos de longa duração, com a inferior, podendo ser utilizada como jump seat (assento auxiliar).
Detalhe da cauda em "T", característica das aeronaves de transporte. O KC-390 possui quase 12 metros de altura, equivalente a um prédio de quatro andares.
Detalhe da Designação Militar e da Matrícula.
Vista externa de uma das portas laterais traseira.
Trem de pouso principal e detalhes das carenagens. Todo o conjunto é reforçado e permite a operação em pistas de pouso não pavimentadas.
Detalhe da bequilha.
O KC-390 é equipado com dois motores turbofans International Aero Engines V2500-E5.
Porta principal de acesso para a tripulação.
Detalhe da seção dianteira da fuselagem.
Vista exterior de uma das janelas localizada no fundo do compartimento de carga, acima dela, está instalada uma das quatro antenas RWR (Radar Warning Receiver, ou Receptor de Alerta Radar), pertencente ao sistema de auto-defesa da aeronave. Este dispositivo informa aos Pilotos que o avião está sendo detectado por radares inimigos.
Emblema do 1º/1º GT, estampado na lateral esquerda da fuselagem dianteira.
Detalhes do suporte e do pod de navegação Rafael Litening III, também utilizado na FAB pelo jato de ataque A-1. No caso do KC-390, o conjunto de sensores e câmeras eletro-óticas e infravermelhas, auxilia a navegação precisa em qualquer condição de tempo, de dia ou de noite e permite o acompanhamento de alvos sobre extensas áreas, auxiliando, por exemplo, no trabalho de busca sobre terra e mar. Essas informações chegam no posto do Engenheiro de Voo ou Operador de Sistemas, localizado na cabine de comando do KC-390.
Detalhe da lança e do probe de reabastecimento em voo.
Detalhe do para-brisa frontal e lateral do KC-390, que conferem uma boa visibilidade para os Pilotos, tanto em voo quanto nas operações em solo.
Gostaríamos de agradecer à Força Aérea Brasileira e ao Comando de Preparo, pela autorização em poder acompanhar uma tarde de operações do EXTEC SAR, oportunizando as imagens da aeronave KC-390 Millennium. Agradecimentos também ao Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (CECOMSAER) e à Seção de Comunicação Social da Base Aérea de Florianópolis (SCS/BAFL) pelo apoio para a realização desta matéria.