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segunda-feira, 18 de novembro de 2024

CRUZEX 2024: Guerra Aérea nos céus do Nordeste


"A Guerra é Simulada... o Treinamento é Real". Sob este lema, de 3 a 15 de novembro, aconteceu na Base Aérea de Natal, no Rio Grande do Norte, mais uma edição do Exercício Cruzeiro do Sul (CRUZEX), o maior treinamento aéreo multinacional da América Latina e um dos mais importantes do mundo, organizado pela Força Aérea Brasileira desde 2002. Um dos principais objetivos, é proporcionar a prática de Operações Aéreas Conjuntas, incluindo missões de Ataque ao Solo, Defesa Aérea, Escolta, Reabastecimento em Voo, Alerta e Controle Aéreo, Reconhecimento, Resgate em Combate, Lançamento de Cargas e Paraquedistas, entre outras. Diferentes nações, voando aeronaves com distintas funções e capacidades, atuam de maneira integrada e cooperativa, permitindo um elevado ganho operacional, promovendo ainda, a troca de experiências entre todos os envolvidos. O treinamento também possibilita a validação e a introdução de novas doutrinas e táticas de emprego operacional para as Unidades Aéreas, além de testar a capacidade de mobilização e de logística das Unidades Aeronáuticas da FAB. O site Aviação em Floripa esteve pela primeira vez em Natal, acompanhando de perto todas as atividades e preparou para seus leitores, uma reportagem especial, trazendo muitas informações a respeito da CRUZEX 2024, bem como das edições anteriores do exercício. Complementando os textos, o conteúdo visual está composto por fotos, além de tabelas e infográficos exclusivamente elaborados para esta matéria. Tudo isso para que você não perca nenhum detalhe. Boa leitura!


Até meados da década de 90, os Exercícios Operacionais da Força Aérea Brasileira ocorriam somente dentro do território nacional, restringindo-se ao treinamento entre suas próprias Unidades Aéreas. Isso começou a mudar com as Operações Tigre (1994, 1995 e 1997) e Mistral (1997 e 1998), realizadas em conjunto com as Forças Aéreas dos Estados Unidos (USAF) e da França (Armée de l'Air), respectivamente. Esses adestramentos, permitiram pela primeira vez que se averiguasse o nível de capacitação de nossos pilotos e o desempenho dos caças A-1, F-5 e Mirage III (que na época formavam a Primeira Linha da Defesa Aérea da FAB), contra aeronaves de combate mais modernas. Em 1998, foi a vez dos jatos A-1 participarem de uma das etapas anuais do famoso Exercício Red Flag, um dos treinamentos aéreos mais realistas do mundo, na Base Aérea de Nellis, em Nevada, nos Estados Unidos. As análises posteriores desses encontros, evidenciaram a excelência da formação e as habilidades natas do piloto militar brasileiro. Embora logrando êxito em alguns embates, principalmente o A-1 (com seu desempenho sendo bastante elogiado), ficou também evidente o gap tecnológico e a necessidade de modernização ou a aquisição de vetores mais capazes para a FAB, culminando mais adiante, com a implementação do Programa F-5BR e o lançamento do Projeto F-X. Por fim, outra conclusão tirada desses exercícios com nações amigas, foi a ideia para o planejamento e organização de um grande treinamento multinacional no país

A partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a aviação se consolidou como um dos elementos centrais para o sucesso de qualquer campanha militar. De lá para cá, as estratégias e as formas de se combater e conquistar o domínio dos céus mudaram radicalmente, sendo aperfeiçoadas a cada novo conflito. Pode-se dizer que a Guerra do Golfo (1990-91) foi a primeira vez que se viu na prática, ações conjuntas e coordenadas de aeronaves militares de diferentes tipos e funções, voando em torno de um objetivo comum, algo que se convencionou chamar de "pacote" ou pack, em inglês. Esse conceito de aplicação do Poder Aéreo já era explorado em exercícios mundo afora, com destaque para o já comentado Red Flag ou o Tactical Leadership Program (TLP), na Europa e recebeu o nome de Operações Aéreas Combinadas ou Compostas, conhecida pela sigla COMAO (ou Composite Air Operations). Focados no realismo das ações, esses treinamentos tinham como pano de fundo, a montagem de cenários fictícios, no qual um território contestado era invadido por uma determinada nação (país vermelho), resultando na formação de uma coalizão internacional, liderada pelo país azul, com o objetivo de expulsar o invasor. Utilizando-se desse enredo e sempre atenta às mais recentes táticas da guerra aérea, a FAB, com a experiência adquirida na participação em exercícios multinacionais, resolveu criar nos mesmos moldes, seu próprio treinamento. Surgia assim, o Exercício Cruzeiro do Sul.

A primeira edição aconteceu em 2002, no Sul do país, com a Base Aérea de Canoas, no Rio Grande do Sul, sendo escolhida como o ponto central das operações, abrigando os principais meios aéreos do treinamento. Brasil, Argentina, Chile e França participaram com aeronaves. As Bases Aéreas de Florianópolis e Santa Maria foram incorporadas ao exercício, empregando suas Unidades Aéreas próprias, além de outras, operando de forma desdobrada. Algumas localidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, também receberam estruturas do treinamento. O modelo de distribuição geográfica das atividades, com uma Base Aérea centralizando as operações e outros locais próximos integrando o cenário ou funcionando como pontos de apoio, tornaria-se uma marca registrada da CRUZEX. Dois anos depois, foi a vez de Natal, no Rio Grande do Norte sediar o treinamento, com a participação do Brasil, Argentina, França e Venezuela. O exercício se estabeleceu com um caráter bianual e assim, em 2006, a Base Aérea de Anápolis, em Goiás, recebeu aeronaves de seis países, Brasil, Argentina, França e Venezuela, além do retorno do Chile e a estreia do Uruguai. 

Caças F-5E Tiger II do 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação (Canoas/RS), operando de forma desdobrada a partir de Florianópolis, durante a CRUZEX 2002. Foto: Marcelo Lobo da Silva (acervo pessoal)

A partir de 2008, o treinamento ganhou uma sede definitiva, a Base Aérea de Natal (BANT), passando a acontecer sempre no mês de novembro, por conta da meteorologia favorável nessa época do ano. Um dos principais motivos para a escolha, foi o fato de Natal ser uma das maiores Bases Aéreas da FAB, com uma infraestrutura apropriada para abrigar grandes treinamentos aéreos. Como visto, o local já havia sediado as Operações Tigre II e Mistral I, além da própria CRUZEX, em 2004. A geografia também pesou a favor da capital potiguar. O Estado do Rio Grande do Norte, localizado na região Nordeste do Brasil,  ficava mais próximo da América do Norte e da Europa, facilitando a logística e o deslocamento de Unidades Aéreas estrangeiras. Somando-se aos fatores descritos acima, o componente histórico igualmente teve sua relevância, como veremos abaixo.

A aviação se estabeleceu em Natal, a partir de 1927, com a chegada da companhia aérea Latécoère, mais tarde rebatizada como Aéropostale. A cidade era a primeira, das onze escalas dos aviões da empresa em território brasileiro em seu longo voo desde a França até o Chile, cumprindo os voos do então inédito, serviço aéreo postal. A partir de 1942, com a Segunda Guerra Mundial em curso, o Aeródromo de Parnamirim foi completamente remodelado pelos Estados Unidos, transformando-o em uma Base Aérea. Operado em conjunto pela recém-criada Força Aérea Brasileira e as forças estadunidenses, o campo de pouso passou a concentrar uma grande quantidade de aeronaves, pessoal e equipamentos, a caminho dos Teatros de Operação do outro lado do Atlântico. Além disso, o local teve destacada participação na vigilância e patrulhamento do litoral brasileiro e na proteção de comboios marítimos contra a ação de submarinos alemães e italianos. A localização estratégica de Natal, um dos pontos mais a leste do território brasileiro e por consequência, mais próximos da Europa e da África, foi vital para o esforço de guerra dos Aliados. Nessa época, "Parnamirim Field", como era conhecida, chegou a ser um dos mais movimentados aeródromos militares do mundo e a maior base aérea utilizada pelos Estados Unidos, fora do seu território. Sua importância histórica pode ser medida pelo nome que recebeu, "Trampolim da Vitória", um legado que atravessou gerações e permanece vivo até hoje, como um forte testemunho daqueles tempos de guerra.

Vista aérea de "Parnamirim Field" durante a Segunda Guerra Mundial e aeronaves militares dos Estados Unidos estacionadas na Base Aérea. Fonte das fotos: https://tokdehistoria.com.br/

Voltando ao tema central desta matéria, o treinamento seguiu sendo realizado a cada dois anos e, em 2012, ocorreu uma inovação, o exercício foi dividido em duas partes, a primeira delas, chamada de CRUZEX C2, foi dedicada exclusivamente às atividades de Comando e Controle, reunindo treze países. No ano seguinte, aconteceu a etapa aérea, denominada de CRUZEX Flight, com a participação recorde de oito países presentes com aeronaves. O treinamento teve um hiato de cinco anos, motivado pelo envolvimento da Força Aérea Brasileira em grandes eventos internacionais e esportivos em nosso país, como a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de Verão, em 2016, retornando em 2018. A emergência sanitária causada pela COVID-19, além das implantações operacionais do transporte multimissão KC-390 Millennium e do caça F-39 Gripen, adiaram mais uma vez a realização do exercício, que voltou agora, em 2024, para sua nona edição. Acompanhe nos infográficos abaixo, um histórico detalhado de todas as CRUZEX já realizadas.








A cada edição, a CRUZEX vem ganhando importância e incorporando novos elementos, desafios e cenários, nos sempre complexos e dinâmicos campos da guerra aérea e da tecnologia militar. Os números impressionam e dão a exata dimensão da grandeza do exercício. Este ano, foram 16 países participantes (metade deles, atuando diretamente nas atividades aéreas, igualando a quantidade das edições de 2013 e 2018), mais de 3 mil militares envolvidos e cerca de 100 aeronaves, entre brasileiras e estrangeiras. Além do Brasil, marcaram presença com meios aéreos, Argentina, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Paraguai, Peru e Portugal; com pessoal para as ações nos domínios Espacial e Cibernético: Brasil, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Paraguai e Peru; e, como Observadores: África do Sul, Alemanha, Canadá, Equador, França, Itália, Suécia e Uruguai.

Conforme o Diretor da CRUZEX 2024, que também é o Comandante da Base Aérea de Natal, Brigadeiro do Ar Ricardo Guerra Rezende, o objetivo do exercício é desenvolver a cooperação e as relações entre o Brasil e as nações participantes, compartilhando uma experiência comum nos cenários de Composite Air Operations (COMAO) e Missões de Guerra Convencional, incluindo pela primeira vez, a introdução dos domínios Espacial e Cibernético em conjunto com as operações aéreas. Em suas palavras: “A realização de mais uma edição do maior treinamento multinacional de guerra da América Latina visa o fortalecimento da interoperabilidade entre as Forças Aéreas de diferentes países, promovendo o treinamento conjunto em cenários complexos e desafiadores. É uma oportunidade, tanto para os militares da FAB como dos outros 15 países participantes, de agregar conhecimentos possibilitando experiências em cenários de ação conjunta”. O Oficial-General ressaltou ainda que: “O exercício não tem o propósito de destacar vantagens de uma força sobre a outra, nem entre aeronaves, nem designar vencedores ou perdedores. Em vez disso, ele fornece treinamento conjunto onde cada país contribui com seu conhecimento e capacidades para a evolução coletiva das forças envolvidas”.






Este ano a CRUZEX introduziu dois ambientes inéditos em suas operações: os domínios Cibernético e Espacial. O primeiro, contou com exercícios simulados, expandindo o nível do treinamento ao integrar operações cibernéticas e aéreas, testando a segurança de sistemas críticos que dão suporte às atividades aeroespaciais. Além disso, incluiu eventos relacionados ao ambiente espacial e que podem influenciar diretamente na tomada de decisões durante um conflito em curso. Já com relação às estrelas do exercício, ou seja, as aeronaves, foram muitas novidades nesta edição, a começar pela participação dos dois principais vetores da Força Aérea Brasileira na atualidade, o caça F-39 Gripen e o transporte multimissão KC-390 Millennium. Pelo lado internacional, o grande destaque ficou com os Estados Unidos, que trouxeram os caças F-15 Eagle e o Transporte/Reabastecedor KC-46 Pegasus, este último, presente pela primeira vez na América do Sul em uma Operação Militar. De Além-Mar, a Força Aérea portuguesa fez sua estreia com aeronaves na CRUZEX, assim como o Paraguai. Fechando a lista, Argentina e Peru também vieram com meios aéreos inéditos.

As novidades da CRUZEX 2024. Todas as fotos: Marcelo Lobo da Silva




A Força Aérea Brasileira encarou com muita seriedade, a responsabilidade em organizar o Exercício CRUZEX. Os preparativos começaram ainda no final de 2023, na Base Aérea de Natal, através da Conferência Inicial de Planejamento, reunindo representantes de todos os países participantes, com o objetivo de estabelecer as bases para uma colaboração eficiente e bem-sucedida entre as forças aéreas envolvidas; apresentar as principais etapas do planejamento operacional, logístico, administrativo; bem como discutir assuntos relacionados à segurança de voo e à segurança das instalações. Durante os meses que antecederam o início do exercício, diversos outros encontros ocorreram, a fim de garantir que todos os detalhes estivessem perfeitamente alinhados, assegurando a integração e a eficácia das operações conjuntas. 

Os meses anteriores ao início da CRUZEX foram marcados por várias reuniões com representantes de todos os países participantes. Foto: FAB/Divulgação

Da mesma forma, diversos Esquadrões de Voo, congregando os principais meios aéreos da FAB, chegaram com três semanas de antecedência a Natal, com o propósito de iniciar seus preparativos para a CRUZEX. Nesse contexto, foi organizado o Exercício chamado de COMAO Flight 2024, com o objetivo principal de integrar e aumentar a interoperabilidade entre as diversas Aviações e Unidades Aéreas da FAB, envolvidas diretamente na CRUZEX. Participaram o Primeiro Grupo de Defesa Aérea (1º GDA), Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAvCa), Primeiro Esquadrão do Décimo Quarto Grupo de Aviação (1º/14º GAv), Segundo Esquadrão do Sexto Grupo de Aviação (2º/6º GAv), Primeiro e Terceiro Esquadrões do Décimo Grupo de Aviação (1º e 3º/10º GAv), Primeiro Esquadrão do Primeiro Grupo de Transporte (1º/1º GT), Primeiro Grupo de Transporte de Tropa (1º GTT), Primeiro Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (1º/8º GAv), Terceiro Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA III), Centro Integrado de Meteorologia Aeronáutica (CIMAER) e Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Natal (DTCEA-NT).

O treinamento aconteceu de 14 a 30 de outubro e, durante este período, simulou um cenário de conflito realista, onde aeronaves de diferentes tipos, performances e doutrinas de emprego precisaram atuar de forma coordenada para garantir a superioridade aérea sobre uma determinada área. Tripulações pertencentes às Aviações de Caça, Transporte, Asas Rotativas e de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (IVR), participaram de missões coordenadas, simulando operações aéreas de grande escala. Complementando as atividades, ocorreu também a formação, progressão e manutenção de integrantes da FAB nas funções de Comandante de Missão, Líderes Táticos e Líderes de Pacote de Defesa Aérea, além da consolidação de táticas e procedimentos operacionais em cenários complexos de combate aéreo. O treinamento teve seu foco principal na aeronave F-39 Gripen, um dos protagonistas da CRUZEX deste ano, garantindo que o vetor estivesse em plenas condições operacionais para executar as missões ofensivas e defensivas que lhe foram atribuídas durante o Exercício. 

Caça F-39 Gripen saindo para mais uma missão durante o Exercício COMAO Flight 2024, na Base Aérea de Natal. Foto: FAB/Divulgação

O Exercício CRUZEX 2024 teve a presença de quase uma centena de aeronaves militares de oito países, dos mais variados tipos e funções. Esta edição do treinamento, conforme já comentado, contou com muitas participações inéditas, a começar pela Força Aérea Brasileira que trouxe para Natal, os seus principais meios aéreos, com destaque para o transporte multimissão KC-390 Millennium e principalmente, o caça F-39E Gripen, incorporado à FAB no final de 2022 e pela primeira vez atuando em um treinamento operacional. Pela Argentina, o jato de treinamento avançado e ataque leve IA-63 Pampa III fez sua estreia na CRUZEX, assim como o turboélice de treinamento e ataque peruano KA-1P Torito. Paraguai e Portugal, que já haviam participado do Exercício como Observadores, desta vez, estiveram presentes com aeronaves. O Chile trouxe pela segunda vez, os seus caças F-16 mais modernos, das versões C/D. A Colômbia, a exemplo da CRUZEX 2018, veio com sua aeronave de Transporte e Reabastecimento em Voo KC-767 Júpiter. Veja mais adiante, um infográfico exclusivo, com todas as aeronaves participantes.

A CRUZEX 2024 marcou a estreia do caça F-39E Gripen da Força Aérea Brasileira em Exercícios Operacionais.

Apesar de muitas participações inéditas, o grande destaque da CRUZEX 2024, ao lado dos F-39E Gripen brasileiros, foram os caças estadunidenses F-15C Eagle, pela primeira vez presentes em céus brasileiros. Projetado e fabricado pela McDonnell Douglas, atual Boeing, o F-15 é um caça de superioridade aérea que entrou em serviço com a Força Aérea dos Estados Unidos a partir de meados da década de 70, dotado de dois potentes motores, que lhe conferem uma razão de subida excepcional e velocidades acima de Mach 2 (duas vezes a velocidade do som), excelente manobrabilidade, um radar de longo alcance, além da capacidade de transportar uma grande quantidade e variedade de armas. Todos esses predicados transformaram o F-15 em um ícone da Aviação Militar, com a impressionante marca de mais de uma centena de vitórias conquistadas em combates aéreos reais. Apenas os Estados Unidos e alguns de seus aliados estratégicos (Arábia Saudita, Cingapura, Coreía do Sul, Israel e Japão), utilizam o avião. O F-15 durante muitos anos se manteve no topo, superado ao longo do tempo em desempenho e tecnologias embarcadas, pelos também estadunidenses F-22 Raptor e F-35 Lighning II, classificados como caças de 5ª geração. Entretanto, o F-15 continua sendo produzido em versões atualizadas e ainda é reconhecido como uma das mais capazes e mortais aeronaves de combate em atividade. Com sua notória ficha de serviço, já garantiu seu lugar no panteão dos mais importantes caças de todos os tempos.

F-15 Eagle, uma das estrelas da CRUZEX 2024.  É o caça estadunidense com mais vitórias em combate desde a Segunda Guerra Mundial. O exemplar da foto acima, com a matrícula 85-0102, possui um detalhe curioso na fuselagem. As estrelas verdes representam três aeronaves iraquianas abatidas durante a Guerra do Golfo, em 1991, sendo um MiG-23 e dois Su-22.


O enredo do exercício nesta edição, foi centrado em cenários hipotéticos de Guerra Regular, Regional e Limitada, focada em ações de Força Aérea. Nesse contexto, dois ou mais países, através de suas forças militares constituídas, se enfrentam por uma área ou região contestada. Cada uma dessas situações têm suas peculiaridades. A Guerra Regular, é caracterizada por confrontos diretos entre as forças militares convencionais de dois ou mais Estados, tipicamente envolvendo exércitos formalmente organizados. É o tipo de conflito mais provável em disputas territoriais ou políticas entre nações com Forças Armadas tradicionais. Guerra Regional refere-se a disputas que, embora potencialmente tenham implicações internacionais, são confinadas a uma região ou área geográfica específica. Por sua vez, a Guerra Limitada, descreve embates onde o uso de força militar é intencionalmente restrito, com limites claramente definidos pelas partes envolvidas. Tais conflitos são geralmente mais pontuais, abrangendo intervenções específicas, operações militares localizadas ou ataques de precisão usando munições inteligentes. 

A região geográfica da CRUZEX 2024 envolveu os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Sobre este espaço, foi montado o cenário fictício do exercício, com áreas pré-definidas para todas as fases do treinamento, assim como para os diversos tipos de aeronaves. Cada uma delas, considerando-se o seu envelope de voo, desempenho e o tipo de missão, ganhou perímetros e limites verticais previamente delimitados e setorizados com nomes específicos. Nesse contexto, as áreas destinadas às aeronaves de Reabastecimento em Voo, foram denominadas como DRINK. Para os aviões de Transporte, foram criados circuitos ou corredores de navegação chamados de SAND. Já os vetores de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento, atuaram no setor chamado de WATCH. Os demais participantes, incluindo os caças e os aviões de ataque, atuaram sobre uma amplo espaço, designado de acordo com o cenário em uso, FAM, FIT ou COMAO, conforme explicaremos mais adiante. Todos os voos tiveram como ponto de partida e retorno a Base Aérea de Natal. O período das atividades aéreas ficou estabelecido entre os dias 4 e 14 de novembro, com os voos acontecendo entre 7:30h e 18h, pelo Horário Oficial de Brasília. Importante destacar que tudo foi planejado pela Direção do Exercício de forma a maximizar o treinamento e ao mesmo tempo, causar o mínimo de impacto nas operações da Aviação Comercial ou transtornos às populações residentes nestas áreas ou no entorno da Base Aárea de Natal.

Áreas de atuação, separadas por cores e pela missão de cada tipo de aeronave. As rotas na cor laranja, mostram os corredores de saída e retorno dos aviões para a Base Aérea de Natal. Fonte da imagem: DECEA


As aeronaves que participaram da CRUZEX, representaram os meios aéreos de ambas as forças, azuis e vermelhas. Os caças atuaram na função de Defesa Aérea. Seu papel era o de escoltar e proteger os vetores de Transporte, Ataque, Reabastecimento em Voo e os valiosos aviões de Comando, Controle e Alerta Aéreo. Ao mesmo tempo, tinham a função de localizar, engajar e neutralizar os seus similares oponentes, que se constituíam na grande ameaça para as demais aeronaves. Na moderna guerra aérea, esses confrontos entre caças acontecem a distâncias que podem chegar a centenas de quilômetros. Raramente hoje em dia, os aviões se enfrentam em um combate visual, chamado no jargão militar, de dogfight. Esse tipo de ação é conhecida pela sigla BVR (do inglês Beyond Visual Range, ou Além do Alcance Visual). Para isso, os caças atuais utilizam poderosos radares e sensores, além de armas de longo alcance. Durante a CRUZEX, os aviões voaram com mísseis de treinamento, dotados de dispositivos que permitiam saber com precisão, quem saiu-se vencedor em um embate. É como se fosse um grande duelo de paintball nos céus, no qual aquele que localizar e disparar primeiro contra seu adversário, terá as maiores chances de obter a vitória. Todas as ações, combates, manobras e procedimentos eram registrados eletronicamente e após o retorno das aeronaves, revistos e analisados.

O treinamento em Natal também se valeu de um outro conceito da guerra moderna, as Operações Aéreas Compostas, ou COMAO (do inglês, Composite Air Operations). São dezenas de aeronaves, de diferentes funções, reunidas em torno de um objetivo comum, algo que se convencionou chamar de "pacote". Durante o exercício, tal qual em um conflito real, o primeiro a decolar e o último a pousar era a aeronave de Alerta e Controle Aéreo, papel exercido na CRUZEX pelo E-99M. Através de seu grande radar instalado sobre a fuselagem, o avião gerenciava e coordenava todos os demais meios aéreos, identificando ameaças a distâncias de mais de 350 km e repassando essas informações aos caças. Na sequência, em um intervalo de poucos minutos, decolavam os reabastecedores, seguidos das aeronaves de transporte, caça e ataque.

Aeronaves diferentes operando de forma conjunta, uma das marcas registradas da CRUZEX. Todas as fotos: Marcelo Lobo da Silva


O treinamento em Natal foi dividido em três fases. A primeira, denominada como FAM (Missão de Familiarização), incluiu voos de adaptação para auxiliar, principalmente as tripulações estrangeiras, na ambientação às características geográficas da área de operações, ao tráfego aéreo local e às frequências de rádio; a segunda, chamada de FIT (Treinamento de Integração de Forças), promoveu o trabalho conjunto entre as diversas Forças Aéreas participantes, porém de forma limitada, empregando formações com um número menor de aeronaves. Esta fase proporcionou também, a interação e cooperação entre todos os participantes, elementos essenciais para a terceira e última etapa, centrada nas Operações Aérea Compostas (COMAO) propriamente ditas, marcando o ponto alto do treinamento. A segunda e última semana do Exercício foi marcada pela intensificação das atividades e contou com voos em cenários de grande complexidade, com múltiplas aeronaves envolvidas nas operações aéreas, exigindo um apurado e criterioso planejamento e com um nível de pressão similar ao de um conflito real. Nesta fase, que prosseguiu até o dia 14/11, os pacotes envolveram a participação de mais de 60 aviões, atuando de forma simultânea e integrada, representando as forças de ambos os lados.



O exercício encerrou-se na última sexta-feira (15/11), com uma grande reunião final de avaliação. No total, foram cerca de 1.500 horas voadas e mais de 800 missões cumpridas, em prol da constante capacitação, interoperabilidade e cooperação. Certamente, as experiências e aprendizados obtidos ao longo dos 12 dias da CRUZEX, serão discutidos e analisados profundamente por todos, contribuindo para a validação, revisão ou implementação de novas doutrinas de emprego operacional. O site Aviação em Floripa gostaria de agradecer à Força Aérea Brasileira, através do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (CECOMSAER) e à Organização do Exercício Cruzeiro do Sul, pela possibilidade em poder acompanhar as atividades do treinamento. Agradecimento especial ao Cel. Av Ref. Aparecido Camazano Alamino pela cessão dos Emblemas e informações relativas às edições anteriores da CRUZEX, materiais que ajudaram a enriquecer o conteúdo desta matéria. Encerrando esta reportagem, seguem abaixo, uma imagem mostrando o posicionamento de pátio de cada modelo de aeronave, além de duas tabelas exclusivas, contendo diversas informações sobre todos os meios aéreos diretamente envolvidos no treinamento.

Vista aérea parcial da Base Aérea de Natal, mostrando a posição de pátio ou sob os hangaretes, das aeronaves participantes da CRUZEX 2024. Fonte da imagem: Google Earth



11 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Marcelo! Essa materia é o dossie mais completo sobre a Cruzex disponivel. Valia ser impresso em livro.

Anônimo disse...

Che materiale incredibile su Cruzex! Tutto completo e nei migliori dettagli! Servirà per gli studi e la ricerca futuri! Un saluto da Milano, Italia

Luiz Padilha disse...

Parabéns! Cobertuta completa!

Nilton disse...

Parabéns Marcelo como sempre reportagens muito ricas em informações técnicas e fotos um abraço.

Anônimo disse...

Conferindo a relação de aviões, vc colocou 6 f 15, surpresa, pois vários YouTuber mostraram a chegada de somente 4 aviões

Asasmetalicas.com.br disse...

Impressionante o seu trabalho. Revela uma completa pesquisa sobre o tema, sendo uma ótima fonte de referência. Parabéns!

Anônimo disse...

Excelente material e capricho nos detalhes. Parabéns!

Anônimo disse...

Parabéns! Excelente relato!

Pablo disse...

Que maravilha de matéria! Riquíssima em detalhes e informações!! Uma foto mais linda que a outra! Parabéns, Marcelo, pela dedicação de sempre em entregar material de qualidade aos leitores!!

Anônimo disse...

Marcelo, boa tarde. Parabéns. Reportagem espetacular.

Reginaldo, SG disse...

Parabéns por conseguir reunir tanta informação em um só texto sintético e de fácil entendimento.
Faço votos que seja transformado em livro e até mesmo incluído nos compêndios da "História Geral da Aeronáutica Brasileira".

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