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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Voando sobre as asas do Falcão


Durante a visita que fiz ao Esquadrão VF-1, Unidade Aérea de Caça da Marinha do Brasil, tive a honra e o privilégio em realizar um voo em uma das aeronaves de dois assentos AF-1C Falcão que compõem a Unidade Aérea. Diga-se de passagem, poucas pessoas fora do meio militar têm uma oportunidade como essa e agora posso dizer que faço parte deste seleto grupo. Antes de mais nada é preciso ressaltar que este voo não foi obra do acaso nem aconteceu de maneira inesperada. Utilizando-se de uma expressão popular: "não caiu do céu", mas sim, resultado do contínuo exercício do site Aviação em Floripa em divulgar o trabalho e as atividades da Marinha do Brasil e de sua Aviação Naval. A permissão para voar uma aeronave desse tipo requer uma autorização de instância superior ao Esquadrão e comigo não foi diferente. Foram meses de espera e tratativas até obter a devida aprovação para tal. Então, a partir de agora, suba a bordo, afivele-se bem firme ao assento e sinta-se também Falcão por um dia.

Nota Editorial: Para tentar dar aos nossos leitores uma noção mais próxima do que vivenciei, as fotos e vídeos que compõem esta matéria estão dispostas de maneira cronológica, de acordo com o desenrolar dos acontecimentos. Seguindo esta mesma linha de ação, o texto foi escrito na forma de narrativa e em primeira pessoa, um relato pessoal, onde irei contar a minha experiência e, ao mesmo tempo, fornecer as informações técnicas e o passo a passo do que se precisa fazer e utilizar para realizar um voo dessa natureza. Desde já é preciso dizer que por mais ilustrada e detalhada que possa ser, é impossível descrever as emoções e o que se sente ao estar a bordo de uma aeronave como esta, entretanto, vou me esforçar para tal. Então, boa leitura e bom voo!!



O voo foi realizado na aeronave biplace (de dois assentos) AF-1C Falcão com a matrícula N-1021. Trata-se de um avião McDonnell Douglas TA-4KU Skyhawk II, de fabricação norte-americana, projetado para realizar missões de ataque naval, principalmente operando a partir de Porta-Aviões. As aeronaves utilizadas pelo Esquadrão VF-1 pertenceram originalmente à Força Aérea do Kuwait e foram adquiridas pela Marinha do Brasil em 1998 em um lote de 23 exemplares, sendo 20 deles monopostos (com um único assento) e mais 3 da versão de dois lugares, aqui passando a serem designados inicialmente como AF-1/AF-1A Falcão, respectivamente. Cabe ressaltar que estes aviões foram testados em combate e participaram de missões reais contra o Iraque durante a invasão do Kuwait por aquele país em 1991 nas ações que desencadearam a chamada Guerra do Golfo. Deste montante de 23 aviões, sete deles (cinco monospostos e dois bipostos) foram posteriormente modernizados e completamente revisados pela Embraer, sendo o Marinha N-1021 um deles e também o penúltimo a ser entregue nesta condição ao Esquadrão VF-1, tendo sido recebido em 9 de Dezembro de 2021.

Voar uma aeronave de combate a jato de alta performance requer toda uma preparação e atenção a vários detalhes, um deles é a vestimenta. Na véspera do voo, foi o momento de provar os trajes e testar os equipamentos que seriam utilizados no dia seguinte. São quatro "camadas" de roupas, a começar pelo Macacão de Voo, similar ao utilizado na Fórmula 1, ou seja, é do tipo anti-chamas. Sobre ele, você veste o chamado Traje Anti-G, um equipamento que contém bolsas de ar na altura da panturrilha, na coxa e no abdômen, além de um tubo que é conectado ao sistema pneumático do avião. Durante o voo, em manobras mais bruscas, essas bolsas de ar se inflam, comprimindo a circulação e impedindo que o sangue desça, principalmente do cérebro, para as extremidades do corpo, retardando os efeitos que poderiam levar à perda de consciência por parte do piloto, o que não precisa dizer é algo extremamemte perigoso e deve ser evitado a qualquer custo, por isso a utilização deste equipamento. Quando se voa, você passa a sofrer os efeitos da gravidade e ela tanto será mais percebida conforme a velocidade e a capacidade de manobras da aeronave. Essa carga é chamada de "Força G" e pode ser positiva ou negativa. Os caças a jato são projetados para "puxar" até cerca de nove vezes o valor da gravidade, o que significa que uma pessoa que pesa 80 kg, por exemplo, em manobras extremas, chega a pesar aproximadamente 720 kg. Embora situações com este nível de carga G sustentado durem poucos segundos, isso requer muito treinamento e condicionamento físico por parte dos pilotos para suportá-la, além do uso de técnicas de respiração e de compressão de alguns músculos do corpo.


Macacão de voo e bota. Fotos: 1SG Azevedo.


Colocação do Traje Anti-G. Fotos: 1SG Azevedo.

Por cima do Traje Anti-G, você coloca o Torso. É ele que vai te prender ao para-quedas que fica conectado ao assento ejetável do avião. No caso de uma emergência em que seja necessário ejetar-se da aeronave, todo o conjunto é lançado por meio de cargas explosivas instaladas sob o assento para longe do avião e após isso, o mesmo se desconecta automaticamente do para-quedas, por esse motivo, o Torso tem que ficar bem preso ao assento e firme e ajustado ao seu corpo. Finalizando as camadas de roupas, por cima de tudo se utiliza um Colete Salva-Vidas, pois os aviões da Marinha voam boa parte de suas missões sobre ambientes aquáticos. Dentro deste conjunto de roupas, espalhados pelos vários bolsos, vão ainda diversos itens, como sinalizadores diurno e noturno, rádio de comunicação via satélite, bússola, luz de emergência, entre outros. Pode-se dizer que boa parte do que o piloto veste e utiliza são pensados para a sua própria proteção e sobrevivência no caso de uma ejeção. Por fim, temos o Capacete e a Máscara de Oxigênio, que além de equipamentos de segurança, são parte do sistema de comunicação, tanto interna quanto com os órgãos de controle aéreo ou com outras aeronaves. Dentro do capacete ficam os fones de ouvido e no interior da máscara vai um microfone ligado por um cabo de aúdio ao sistema de comunicação. Todo este conjunto de trajes e acessórios descritos acima, mais a bota, pesa aproximadamente de 8 a 10 kg e tudo tem que ficar muito bem ajustado ao seu corpo, não podendo ficar largo nem apertado demais, isto é, tem que ser ao mesmo tempo justo e confortável, a ponto de não impedir os movimentos.


Por cima do Traje Anti-G se coloca o Torso, equipamento que te prende ao para-quedas no assento do avião. Fotos: 1SG Azevedo.







Por cima de tudo vai o Colete Salva-Vidas.  Fotos: 1SG Azevedo.






Por fim, a colocação do capacete e os testes com a máscara de oxigênio. Este item incomoda um pouco pois ela tem que ficar bem firme e ajustada ao rosto a fim de não deixar o ar escapar. No meu caso em particular a maior dificuldade foi o ato de prender a máscara no capacete, ação que precisa ser feita apenas pelo tato, pois você não consegue enxergar o local onde ela se conecta no capacete, o que requer uma certa destreza e tempo de treinamento a fim de se acostumar com o local certo para prendê-la. Gostaria de agradecer ao Suboficial Luiz Fernando pela paciência nas explicações sobre os equipamentos e no auxílio para colocar os itens da vestimenta. Fotos: 1SG Azevedo.

Todo o equipamento de voo que eu testei ficou separado para o dia seguinte.

O voo estava marcado para às 14h30min, porém, cerca de uma hora e meia antes já iniciei a minha preparação. É importante dizer que o voo não foi realizado única e exclusivamente para esta matéria. A Marinha do Brasil, assim como os demais ramos das Forças Armadas que tem na Aviação a sua atividade-fim, dispõe de uma quantidade planejada de Horas de Voo para suas missões e treinamentos. Sendo assim, não há destinação de verbas ou combustível para ações promocionais ou de cunho particular, dessa forma, o voo ocorreu em aproveitamento a uma missão que já seria executada pela aeronave, independente da minha presença ou não. 

Após colocar o Macacão de Voo e a bota, me dirigi, juntamente com o piloto com quem iria voar, Capitão-Tenente Raggio e o Oficial de Operações do Esquadrão VF-1, Capitão de Corveta Anapurús para o briefing, que é uma reunião pré-voo, na qual todos os aspectos e procedimentos relacionados ao voo são analisados e discutidos de forma detalhada, entre eles, a meteorologia, tempo de voo, combustível, rota a ser feita, situação da aeronave, frequências de comunicação, alternativas de pouso e o mais importante de tudo, como proceder num caso extremo em que precise usar o recurso da ejeção. Tudo tem que ser combinado e acertado antes de seguir para o avião. Esse é um procedimento padrão utilizado na aviação de maneira geral, sempre prezando pela Segurança de Voo e das atividades aéreas, independente de se ter alguém a bordo que não é habituado com esta rotina.

O voo foi conduzido pelo Capitão-Tenente Raggio. À direita na foto, o Capitão de Corveta Anapurús, Oficial de Operações do Esquadrão VF-1.

Finalizado o briefing, é hora de retornar ao hangar para terminar de vestir o traje de voo. Novamente repeti todos os passos e a sequência do dia anterior. Enfim, chega o momento de me dirigir ao avião que já encontrava-se no pátio, pronto e abastecido. Para adiantar o processo, enquanto o Piloto cuidava do cheque externo da aeronave, o Comandante Anapurús me auxiliou na amarração no assento ejetável e também com as instruções sobre a utilização do sistema de comunicação interna, localizado em um console no lado inferior esquerdo da aeronave. Durante o tempo em que se permanece na aeronave, ainda em solo ou em voo, existe o contato verbal entre o piloto e quem está no assento traseiro. Dominar este procedimento é essencial pois sem ele não há condição de seguir com o voo. Confesso que antes de subir a bordo estava um pouco apreensivo com o fato de utilizar o equipamento, pois era uma completa novidade para mim. Mas, de maneira geral é bem simples e me foi repassado o conhecimento básico para poder operá-lo e conversar com o piloto. Notei que o que mais atrapalha é você se acostumar com o local onde fica situado o botão no painel e o fato da máscara de oxigênio limitar um pouco a sua visão para baixo. Além da conversação normal durante o voo ou em casos de emergência, é necessário ainda com a aeronave no chão, que você informe ao piloto se seu assento ejetável está ativado. Sem isso não se decola, por isso a importância de saber operar corretamente o console de comunicação.












Na aviação existe uma expressão para quem faz esse tipo de voo no assento traseiro apenas como um mero expectador: "Voar de saco". O cockpit do AF-1 Falcão, assim como todos os jatos militares dessa categoria, é um ambiente espartano e extremamente apertado. Este fato somado à vestimenta de voo, faz com que você praticamente vista o avião, entretanto, em nenhum momento me senti desconfortável, embora se fique bem amarrado e preso ao assento, o que limita bastante os movimentos. São quatro pontos de amarração no assento, dois na altura da virilha e dois sobre os ombros, todos eles se conectando ao traje de voo através do Torso. Após a amarração, o Fiel (como é chamado na Marinha o militar que cuida da aeronave e de todos os detalhes antes e depois do voo), faz o cheque final e verifica se está tudo certo.









E finalmente chegou o momento que eu vinha buscando há muito tempo, experimentar a sensação de voar em uma aeronave a jato com assentos ejetáveis. É hora do acionamento, táxi e decolagem para ganhar os céus. Após dias com as condições meteorológicas adversas, eis que o Universo conspirou a favor e reservou uma tarde com Sol e praticamente nenhuma nuvem no céu. Antes da decolagem é preciso ficar atento às instruções da equipe de terra e do Piloto, pois é necessário ativar o assento ejetável, através de uma alavanca que fica na parte superior do assento, localizada na altura do capacete e acessível apenas pelo tato. Eu havia treinado algumas vezes como achar a sua posição e a forma de empurrá-la para cima então, ao comando do Piloto, executei a ação sem dificuldades. Agora sim, tudo pronto!











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Nota Editorial: No vídeo acima é possível observar aos 01:34 o mecanismo ou alavanca que ativa/desativa o assento ejetável, chamado de "head knocker", na posição de travamento (abaixada), atrás da minha cabeça. Logo em seguida, já durante o táxi da aeronave, aos 01:49, observe que o mesmo já encontra-se recolhido, indicando que o assento ejetável está ativado. Esse é um procedimento manual que você tem que executar antes ou durante o táxi da aeronave e é feito apenas pelo tato pois não se consegue fazer isso de forma visual. Após o pouso, acontece o processo inverso, quando a alavanca deve ser puxada para travar novamente o assento, nesse caso, tendo o cuidado extra de fazer isso de baixo para cima evitando que sua mão passe por dentro da alça de ejeção superior e você acidentalmente se ejete. Apenas para lembrar, o assento ejetável dos AF-1 Falcão é do tipo zero-zero, ou seja, pode ser acionado com o avião parado no solo.

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O voo recebeu o código-rádio "Falcão 85" e consistiu em um circuito fechado na rota São Pedro da Aldeia, Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo e de volta a São Pedro da Aldeia, com duração aproximada de 30 minutos. Já na decolagem pela cabeceira 07 foi possível sentir toda a potência do motor Pratt & Whitney J52 com a aeronave correndo veloz pela pista e logo saindo do chão, ganhando o céu rapidamente. Seguimos então rumo a Búzios, uma cidade turística famosa por suas praias e vida noturna agitada, localizada na chamada Região dos Lagos, litoral norte do Estado do Rio de Janeiro (distante cerca de 25 km de São Pedro da Aldeia), entretanto, na nossa velocidade, vencida em poucos minutos e assim, logo já estávamos sobrevoando suas belas paisagens. Diga-se de passagem toda a região é paradisíaca, com costões, praias, formações de dunas, montanhas e um mar com tonalidades que iam do azul ao verde-esmeralda. A tarde de Sol ajudou a tornar tudo ainda mais belo e colorido ao olhar e à lente da câmera. O voo transcorreu em sua totalidade em altitudes mais baixas, quase como um tour turístico, na qual o piloto a todo momento ia apresentando cada local por onde passávamos.


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Entretanto, como não podia deixar de acontecer, houve também o momento de sentir um pouco daquilo que o avião é capaz de fazer, afinal de contas, eu estava a bordo de uma aeronave militar de combate e não tem graça entrar na máquina e não conhecer a sua performance de voo, potência e manobrabilidade. Fizemos algumas curvas mais apertadas e acelerações, culminando com um tunneau, manobra em que o avião executa um giro de 360 graus em torno de seu próprio eixo longitudinal. O AF-1 Falcão é uma aeronave subsônica com velocidade máxima nivelada de 1083 km/h. As acelerações que experimentei no voo devem ter chegado a 70% desse valor, ou seja, algo em torno dos 700 km/h. Entretanto, pode-se dizer que o Piloto foi extremamente bondoso comigo não "puxando" muito G, apenas o suficiente para que eu sentisse levemente as bolsas de ar do traje inflando. Entretanto, como quase tudo na vida, aquilo que nos é agradável logo chega ao fim, embora eu estivesse tão imerso naquela experiência que para mim, os trinta minutos de voo ficaram parecendo bem mais tempo. Logo estávamos numa aproximação longa para a cabeceira 07 e rapidamente o avião estava novamente de volta ao solo e a sua posição no pátio.





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Após o corte do motor e o desembarque da aeronave, chegou o momento de agradecer ao Capitão-Tenente Raggio pelo voo e deixar eternizados os registros dessa experiência única e marcante. No entanto, ainda estava reservada uma última surpresa. Ao chegar de volta ao Esquadrão, recebi um Certificado comprovando o meu voo na aeronave AF-1C Falcão, motivo de grande alegria e orgulho para mim e um verdadeiro troféu, fechando com chave de ouro esse dia inesquecível.



Entrega do Certificado de Voo, feita pelo Comandante do Esquadrão VF-1, Capitão de Fragata José Assunção Chaves Neto, a minha direita e pelo Capitão-Tenente Ricson Raggio Mello.

Voar com o Esquadrão VF-1 representou para mim, a realização de um sonho, tanto profissional quanto pessoal. Ao descer do avião, ainda anestesiado pela experiência que acabara de vivenciar, caminhando de volta ao hangar para retirar os equipamentos de voo, não pude deixar de pensar em todo o caminho percorrido que me fez chegar até esse momento ímpar, fruto do meu trabalho mas também de todos aqueles que apoiaram e torceram para que esse voo se materializasse. Dentro do Marinha N-1021 não tinham apenas duas pessoas, mas também estavam a bordo todos aqueles que de alguma forma tornaram isso possível. Foram apenas trinta minutos de voo, mas o suficiente para experimentar mesmo que forma breve e efêmera, o treinamento e o preparo que esses pilotos precisam ter para exercer sua atividade cotidiana em defender a nossa Soberania sobre terras e mares. O inesquecível Ayrton Senna disse certa vez após fazer um voo em um caça Mirage IIIDBR da Força Aérea Brasileira que: "Se cada brasileiro tivesse a oportunidade de fazer esse voo que eu fiz, com certeza teria mais amor à Pátria". Finalizo com esta frase, esperando que todos que voaram comigo através dos textos e imagens desta matéria, também possam valorizar mais o nosso País e o trabalho daqueles que diuturnamente zelam pela proteção de nossas fronteiras e na salvaguarda das nossas riquezas naturais. 




Gostaria de agradecer à Marinha do Brasil e à Força Aeronaval, através de seu Comandante, Contra-Almirante Augusto José da Silva Fonseca Junior, pela oportunidade e autorização para a realização do voo. Agradecimentos especiais à Primeiro-Tenente Manuela Wermelinger Araújo de Barros, da Assessoria de Comunicação Social do Comando da Força Aeronaval (ComForAerNav), por todo o empenho e cordialidade em atender e encaminhar aos canais competentes, as minhas solicitações e demandas para a elaboração desta série de matérias que o site Aviação em Floripa vem apresentando sobre a Aviação Naval. Agradecimentos também ao Esquadrão VF-1, por transformar um sonho em realidade, principalmente ao Capitão de Fragata Assunção (Comandante), Capitão de Corveta Anapurús (Oficial de Operações), Capitão-Tenente Raggio (Piloto com quem voei), ao Suboficial Luiz Fermando (responsável pela prova e escolha dos trajes e Equipamentos de Voo, dicas de utilização e ajuda com os mesmos), ao Primeiro-Sargento Azevedo e Cabo Caio (pelas fotos que integram esta matéria). Enfim, a todos que de alguma forma participaram ou ajudaram para a realização desse voo. A todos vocês, deixo aqui registrado o meu sincero agradecimento na forma de um Bravo Zulu!



terça-feira, 6 de setembro de 2022

Uma visita ao Esquadrão VF-1

 


Nos dias 24 e 25 de Agosto, o site Aviação em Floripa teve a honra em conhecer o Esquadrão VF-1, única Unidade Aérea de Caça da Marinha do Brasil, que opera com os jatos McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, denominados na Aviação Naval como AF-1 Falcão. O convite para a visita partiu do próprio Comandante do Esquadrão, Capitão de Fragata José Assunção Chaves Neto, resultado da matéria que o site publicou no início deste ano a respeito da participação da Unidade Aérea no Exercício ASPIRANTEX 2022, realizado em Janeiro, na qual duas aeronaves do Esquadrão operaram a partir de Florianópolis/SC em apoio aos navios da Esquadra participantes da manobra. A partir de agora, embarque conosco e venha conhecer o "Ninho dos Falcões".

Um pouco de história


Em 1965, a Aviação Naval perdeu o direito de operar aviões, entregando todos os seus meios de asa fixa para a Força Aérea Brasileira (FAB) que por sua vez, repassou seus helicópteros de uso naval para a Marinha do Brasil. Essa situação começou a mudar em 1996, quando em 29 de julho daquele ano, o então Ministro da Marinha, Almirante de Esquadra Mauro César Rodrigues Pereira encaminhou ao Presidente da República à época, Fernando Henrique Cardoso, uma Carta de Exposição de Motivos na qual detalhava as necessidades da Marinha para a retomada de operações com aviões para atuarem em conjunto com as suas forças navais e terrestres.  Assim, pelo Decreto Presidencial nº 2.538, de 8 de abril de 1998, ficou estabelecido em seu Artigo 1º que: “a Marinha disporá de aviões e helicópteros destinados ao guarnecimento dos navios de superfície e helicópteros de emprego geral, todos orgânicos e por ela operados, necessários ao cumprimento de sua destinação constitucional”. Enquanto ainda se aguardava uma decisão sobre a autorização para operar aviões, foram iniciados estudos e buscas no mercado internacional por modelos que se adequassem às necessidades da Marinha, chegando-se a um lote de 20 aeronaves McDonnell Douglas A-4KU (monopostas) mais 3 TA-4KU (bipostas) Skyhawk II, operadas anteriormente pela Força Aérea do Kuwait e que apresentavam uma relação custo/benefício excelente, em virtude das poucas horas voadas por célula, condições de armazenamento e pacote logístico composto por aviônicos, armamento, material de apoio e sobressalentes.

Com o sinal verde dado à Marinha para o retorno das operações com aeronaves de asa fixa, a compra foi efetivada e os aviões, juntamente com todos os seus materiais e equipamentos chegaram por via marítima ao Brasil no dia 5 de Setembro de 1998, desembarcando em Arraial do Cabo/RJ, de onde foram transportados por carretas até a Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA), localizada na cidade de mesmo nome, situada no litoral norte do Estado do Rio de Janeiro e distante a apenas 22 km de Arraial do Cabo. Aqui passaram a ser chamados de "Falcão" e designados como AF-1 para os monopostos (recebendo as matrículas N-1001 a N-1020) e os aviões de dois assentos como AF-1A (matrículas N-1021 a N-1023). O Primeiro Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque (VF-1) foi criado logo em seguida, pela Portaria Ministerial nº 256, de 2 de Outubro de 1998 com a missão de "Executar a defesa aérea da Força Naval e garantir a superioridade aérea necessária à aplicação do Poder Naval onde e quando este se fizer necessário". O primeiro voo em território brasileiro sob os comandos de um Aviador da Marinha aconteceu em Maio de 2000, cabendo a primazia ao então Capitão-Tenente José Vicente Alvarenga Filho. Os anos seguintes testemunharam o rápido desenvolvimento operacional e o estabelecimento por parte do Esquadrão VF-1 de suas doutrinas e táticas de emprego, com o domínio das operações de pouso e decolagem embarcados, a bordo do Navio Aeródromo Ligeiro Minas Gerais (A-11) e do seu sucessor, o Navio Aeródromo São Paulo (A-12), além da interoperabilidade com os demais meios navais da Esquadra, com os Fuzileiros Navais e o emprego em manobras conjuntas com as Forças irmãs, Exército e Força Aérea Brasileira.

Linha de voo composta por dois AF-1B Falcão.

Emblema e Heráldica do Esquadrão VF-1 (Coleção particular do autor).

Decorridos quase dez anos de operação com o Skyhawk na Marinha, decidiu-se pela sua modernização, sendo contratada a Embraer Defesa e Segurança (EDS) para realizá-la. O contrato foi assinado em Abril de 2009 e envolvia inicialmente doze aeronaves (depois reduzido para sete) contemplando cinco exemplares monopostos e dois bipostos, os quais passaram a ser designados como AF-1B/AF-1C respectivamente. Os aviões modernizados incorporaram um novo radar multimissão de fabricação israelense, modernos sensores, dispositivos de auto-defesa, novos equipamentos de comunicação e navegação, além de sistemas aperfeiçoados de geração de energia e de oxigênio, entre outras melhorias. Dentro da cabine muita coisa mudou também, com a adoção de um HUD (Head-Up Display, equipamento que projeta ao nível dos olhos do piloto informações cruciais durante o voo), HOTAS (Hands On Throttle and Stick, permitindo que o controle de todas as funções vitais durante uma missão de combate estejam concentradas na manete de potência e no manche) e a substituição de boa parte dos mostradores analógicos por duas telas multifuncionais, chamadas de CMFD (Color Multi-Funcion Display). O contrato também incluiu a completa revisão do motor Pratt & Whitney J52-P-408 que equipa os aviões. O protótipo usado como plataforma de testes e certificação foi o A-4 com a matrícula N-1011, tendo feito seu voo inaugural com a nova configuração em 13 de Julho de 2013. A entrega dos exemplares modernizados iniciou-se em Maio de 2015 e foi concluída em Abril deste ano. Acompanhe na tabela abaixo, quais aeronaves foram modernizadas bem como diversas informações sobre cada uma delas:

Fonte: https://moraisvinna.blogspot.com/2009/09/relembrando-kuwait-air-force-skyhawks.html

* Protótipo do Programa de Modernização, perdido em um acidente ocorrido em 26/07/2016. Estuda-se no momento a possibilidade de mais uma aeronave monoposta do acervo do Esquadrão ser enviada para a Embraer com o intuito de substituir o N-1011, recompletando assim a quantidade original de sete aviões modernizados.

** Exemplar recebido em 06/09/2019 e danificado durante decolagem na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia (BAeNSPA) em 23 de Outubro do mesmo ano, estando no momento em processo de recuperação.

Conhecendo o "Ninho dos Falcões"


Vista da fachada principal do prédio do Esquadrão VF-1. Crédito: Cb Caio/EsqdVF-1.

O Esquadrão VF-1 ocupa um prédio amplo e moderno com mais de 6 mil metros quadrados de área construída, possuindo uma estrutura completa para abrigar os aviões e fornecer todo o suporte para a operação dos mesmos. A Unidade Aérea é composta por três grandes Departamentos, que são os de Operações, de Manutenção e o Administrativo. A edificação conta com dois amplos hangares, separados por uma construção com dois pavimentos que agrupa todos os setores, ambientes e salas necessárias para os pilotos, o corpo técnico e administrativo da Unidade Aérea cumprirem suas funções. Percorremos todas as instalações do prédio que nos foram autorizadas e permitidas a serem mostradas e passamos a partir de agora a apresentar as principais delas aos nossos leitores. Abaixo de cada foto seguirá sempre que necessário, um pequeno texto identificando o local e contendo algumas informações sobre o mesmo.

Hangar principal, onde ficam as aeronaves prontas para as operações de voo.

Lema do Esquadrão VF-1: "No Ar, a Defesa do Mar".



Este local fica próximo à porta do hangar principal e é aqui que os pilotos terminam de se equiparem para o voo. Cada avião tem a sua pasta própria contendo todas as informações sobre as condições atuais da aeronave anotadas pela Equipe de Manutenção e cabe aos pilotos, aceitarem ou não o avião para o voo. Ao retornarem da missão é aqui também que os pilotos retiram os seus equipamentos e reportam algum problema com a aeronave que possa ter ocorrido em voo, antes de seguirem para a reunião de debriefing.

No interior do hangar de manutenção ficam as aeronaves operacionais que necessitam de algum tipo de intervencão ou apronto pelas equipes técnicas antes de serem levados para a linha do voo. Aqui também ficam armazenados alguns aviões que não passaram pelo processo de modernização, além de equipamentos de apoio e o ferramental necessário para o reparo dos mesmos. Anexo ao hangar existem diversas salas e oficinas relacionadas com a atividade de manutenção, cada uma delas ligada a uma área específica, como armamento, motores, estrutura, aviônica, entre outras.








Hangar de Manutenção.

Os principais setores do Esquadrão estão localizados no segundo pavimento do prédio. Ali se concentram as Salas do Comandante, do Imediato, as Divisões e Departamentos responsáveis pela operacionalidade da Unidade Aérea. Para quem gosta de detalhes e objetos ligados à Aviação de Caça, o local do prédio que mais chama a atenção é a chamada Praça D'Armas, uma espécie de Sala de Estar para os pilotos e para receber visitantes. Ali estão colocados diversos itens relacionados com as aeronaves servindo como peças de decoração. Os Esquadrões de Caça gostam de enfeitar estes espaços com artefatos que remetem ao seu dia a dia e aos equipamentos que utilizam. E o Esquadrão VF-1 não foge a essa regra.

As surpresas já começam na entrada, com a porta que dá acesso ao local simulando o deque inferior de um Navio Aeródromo. Diga-se de passagem, uma ideia criativa e genial.



Missil ar-ar AIM-9H Sidewinder e um canhão Colt Mk.12 de 20 mm, decoram a Sala D'Armas.

Sistema de pouso com luzes, utilizado nos Navios Aeródromos.

Gancho de parada colocado sobre a "Ordem dos Falcões", quadro contendo as placas com os nomes dos pilotos que fazem ou já fizeram parte do Esquadrão, além de outras pessoas que fizeram jus a esta distinção.

O cuidado aos detalhes impressiona. O puxador da porta do banheiro foi feito com a parte superior do manche de uma aeronave AF-1 Falcão.

Sala do Comandante.

Sala do Imediato.

Na parede entre as Salas do Comandante e do Imediato, encontra-se um belíssimo painel mostrando uma aeronave AF-1 Falcão decolando do NAe São Paulo.

Hall central do Esquadrão VF-1 localizado no pavimento superior.

Quadros de Aniversários da Unidade Aérea com o efetivo em Formatura.


Revistas de aviação nacionais e internacionais em que o Esquadrão VF-1 foi matéria de capa.

Quadros com as Comendas recebidas pelo Esquadrão VF-1. A Unidade Aérea possui a Ordem do Mérito Aeronáutico e a Medalha Mérito Tamandaré.

Galeria de Comandantes do Esquadrão VF-1, atualmente comandado pelo Capitão de Fragata José Assunção Chaves Neto.


No pavimento superior ainda se encontram outras dependências, como a Sala de Briefing, Sala de Navegação, Divisão de Suprimentos, Divisão de Secretaria e Comunicações, Paiol de Suprimentos, Departamento de Segurança, Departamento de Operações e a Sala do Subofial-Mor, uma espécie de braço direito ou assessor do Comandante para assuntos ligados ao cotidiano da Organização Militar, funcionando como um elo de ligação entre a Guarnição e o Comando. Geralmente este cargo é exercido por um Graduado com grande experiência e vivência de Marinha. No caso do Esquadrão VF-1, a função é nova e atualmente ocupada pelo Suboficial Barros, que foi o nosso anfitrião durante a visita às dependências da Unidade Aérea.


Sala de Briefing, local onde os pilotos e equipe envolvida nas missões se reúnem para discutir detalhes do voo ou de uma operação.

Departamento de Operações, o cérebro da Unidade Aérea, onde são planejadas todos os voos do Esquadrão, assim como a qualificação e adestramento dos pilotos, controle de combustível e as missões a serem cumpridas.

Sala do Oficial de Operações, cargo atualmente exercido pelo Capitão de Corveta Anapurús.

Sobre a mesa, um busto do Almirante Tamandaré e as maquetes de um A-29B Super Tucano e do AF-1 Falcão, colocadas sobre os cachecóis de Esquadrões de Treinamento da FAB. Os pilotos da Marinha têm sua formação em asa fixa na Academia da Força Aérea (AFA) e depois seguem para Natal/RN, para fazer o Curso de Formação de Piloto de Caça no 2º/5º GAv, o Esquadrão Joker.

Sala do Suboficial-Mor. Para exercer essa função, o militar tem que ser voluntário e precisa ter um bom relacionamento com o efetivo, além de conhecer muito bem todos os departamentos e setores da Organização Militar. O cargo é indicação do Comandante e o escolhido fica pelo menos dois anos à frente da função. Atualmente o Suboficial-Mor do Esquadrão VF-1 é o SO Barros, por curiosidade o primeiro também, pois esse programa é recente na Marinha.

Área central no térreo ligando os dois hangares.

Ladeando a pintura na parede, encontram-se dois quadros contendo a "Ordem dos Falcões Guardiões" com os nomes dos Graduados em quatro níveis: Bronze, Prata, Ouro e Diamante.

Placa em homenagem à primeira Guarnição (Comandante, Oficiais e Praças) do Esquadrão VF-1.

Como uma forma de homenagear e agradecer ao convite para conhecer as instalações do Esquadrão VF-1, o Editor do site Aviação em Floripa entregou ao seu Comandante, um quadro da Aeronave AF-1B Falcão com a matrícula N-1001, fotografado em Florianópolis/SC durante o Exercício ASPIRANTEX 2022, quando duas aeronaves da Unidade Aérea participaram do treinamento conjunto com navios da Esquadra.

Momento da entrega do quadro. Crédito: CT Raggio

Imagem presente no quadro.

Palavras finais


Ao término da visita, o que pudemos constatar é que existe por parte de todos os militares que integram a Unidade Aérea, desde o Graduado mais moderno até o Comandante, um grande orgulho e satisfação em fazer parte deste seleto grupo, sentimentos estes se notam em cada detalhe, em cada dependência, em cada ambiente que tivemos acesso. Saímos com a certeza de que o trabalho ali é realizado com amor, profissionalismo e dedicação. Fiéis ao legado deixado por aqueles que forjaram sua história, os Falcões de hoje seguem voando cada vez mais alto para garantir do Ar, a Defesa do Mar. Gostaríamos de agradecer ao Capitão de Fragata Assunção, Comandante do Esquadrão VF-1, pelo convite em conhecer a Unidade Aérea, ao Suboficial-Mor Barros, que conduziu de forma cordial e prestativa a nossa visita pelas dependências da Organização Militar. Enfim, a todos que de alguma forma, contribuíram para esta matéria.